sexta-feira, 20 de outubro de 2017

FILOSOFIA POLÍTICA 2: O SURGIMENTO DO ESTADO


1 Estado

Segundo Aristóteles, o homem é um animal político, do que se segue que a convivência em sociedade é resultado da natureza do homem. Entretanto, filósofos dos séculos XVII e XVIII se preocuparam em apresentar outro tipo de explicação racional para o surgimento da vida em sociedade e, consequentemente, para a criação do Estado. Tais filósofos são conhecidos como contratualistas, pois defendem que os homens por natureza são livres e iguais, mas em algum momento surgiu a necessidade de abrir mão desses direitos e estabelecer um pacto, um contrato social. Vejamos isto a seguir.

1.1 Teorias Contratualistas

Essas teorias recorrem a uma situação hipotética e retórica conhecida como Estado de Natureza. A forma como os homens se encontravam organizados e se relacionavam no Estado de Natureza é que vai justificar o modo apropriado de organização e natureza do Estado. Vejamos.
Thomas Hobbes, autor da célebre obra O Leviatã, não concordava com Aristóteles quando este afirmava que o homem possui em sua natureza o instinto de sociabilidade. O que ocorre é que os homens são competitivos entre si, onde sempre encaram o outro como um concorrente que precisa ser dominado para o alcance de seus interesses e a satisfação dos seus desejos. Daí surge como consequência que do estado de natureza se seguiu um estado de guerra de todos contra todos, onde ocorriam matanças e toda sorte de abusos. Isso levou Hobbes a afirmar que “o homem é o lobo do homem” (homo homini lúpus).
Para resolver o impasse acima, portanto, foi necessário que os homens delegassem sua liberdade e igualdade (direitos naturais) para o estado, que regula as relações entre os indivíduos da sociedade formada. Isso seria o contrato social nos moldes de Hobbes.
Como consequência da delegação da liberdade e igualdade, os homens não poderiam mais guiar a si mesmos, deixando esta tarefa para o estado, que governaria a todos, impondo ordem, segurança e direção à situação catastrófica em que se encontravam os homens. Nas palavras de Hobbes, os homens deveriam
[...] conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade [...] é como cada homem dissesse a cada homem [...] transfiro meu direito de governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.
Desse modo, caberia ao Estado, que é soberano, assegurar a paz e a defesa comum da sociedade. Isso impediria que os homens continuassem caçando a si próprios, eliminando a barbárie.
Para John Locke, filósofo inglês, os homens, no estado de natureza, não viviam em uma guerra de todos contra todos, como acreditava Hobbes, mas apresentavam como problema o fato de cada um ser juiz de si mesmo. Ora, não havia uma normatização geral para regular a relação dos homens entrei si, do que segue a aparição de vários problemas. Para resolver esse impasse, surge o estado, que teria como função primordial garantir a segurança dos indivíduos e de seus direitos naturais, como a liberdade e a propriedade.
Desse modo, através do contrato social, nos moldes de Locke, delegariam ao estado o direito de normatizar e julgar as relações entre os homens. Os direitos a liberdade e a igualdade, entretanto, não seriam transferidos de forma alguma. Daí surge a concepção de Estado Liberal, que apenas julgaria os conflitos sociais, sem interferir nos direitos individuais, como a expressão dos pensamentos, a propriedade e a atividade econômica.
A diferença fundamental entre o estado soberano de Hobbes e estado liberal de Locke é que, no primeiro, não há direitos individuais e que, no segundo, tais direitos são assegurados pelo Estado.
Outro filósofo contratualista, que apresentou seu próprio ponto de vista, é o francês Jean-Jacques Rosseau. Esse pensador afirma que o homem por natureza é livre e é a vida em sociedade que o acorrenta, minando sua liberdade. Contudo, Rosseau afirma que há um único fundamento legítimo para o poder político, que seria o pacto social.
Para Rosseau, o pacto social consiste em todos os homens transferirem sua vontade particular à vontade geral. Ou seja, cada cidadão se submete ao poder político (ao Estado) desde que este represente a vontade geral do povo. Assim, o dever ou compromisso de cada cidadão é apenas com seu povo, que é a fonte legítima da soberania do estado. Assim, nas palavras de Rosseau, “cada um de nós põe sua pessoa e poder sob uma suprema direção da vontade gera, e recebe ainda cada membro como parte indivisível do todo”.
O que caracteriza fundamentalmente o estado nos moldes de Rosseau é que cada cidadão deve obedecer às leis que regem a sociedade, contudo tais leis devem representar a vontade geral do povo, o implica que obedecê-las não contraria a sua própria vontade particular. O interesse último do estado legítimo é o bem comum. Para Rosseau, um estado que não tenha essa configuração não é legítimo.
Vale salientar que uma diferença básica entre Hobbes e Rosseau é que, para o primeiro, o homem é portador de um instinto natural perverso, necessitando da sociedade para coibi-los, e para o segundo o homem tem uma natureza boa, que foi corrompida pela vida em sociedade.

1.2 A divisão dos poderes políticos

Como o Estado tem a função de regular o convívio entre os indivíduos, é natural que apareçam três tipos de poderes. O poder de legislar (legislativo), o poder de julgar de acordo com as leis (judiciário) e o poder de executar as leis (executivo). Esses poderes, entretanto, nem sempre foram divididos, o que implicava que um mesmo homem ou instituição legislava, julgava e executava. Isso abria precedentes para que houvesse constantemente abusos de poder.
Para combater o exposto acima, o filósofo francês Charles de Secondat, mais conhecido como barão de Mostesquieu, propôs uma teoria da divisão dos três tipos de poderes, pois:
Quando os poderes legislativo e executivo ficam reunidos numa mesma pessoa ou instituição do Estado, a liberdade desaparece [...] Não haverá também liberdade se o poder judiciário se unisse ao executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. E tudo estaria perdido se uma mesma pessoa ou instituição do Estado exercesse os três poderes: o de fazer leis, o de ordenar a sua execução e o de julgar os conflitos entre os cidadãos.
Desse modo, Mostesquieu defendia que os poderes políticos devem ser separados, independentes e equilibrados entre si. Os estados modernos (que não são ditaduras) se organizam dessa forma.

1.3 O Estado segundo Hegel

Pensando diferente de Locke e Rosseau, Georg Hegel não acredita na ideia de estado liberal e que se pode falar em indivíduos isolados em estado de natureza, que posteriormente se organizariam em sociedade. Para Hegel, o indivíduo humano só pode ser visto enquanto tal à medida que esteja inserido em uma sociedade: o indivíduo é um ser social. Além disso, o filósofo alemão defende que o estado não é soma de indivíduos, não fundado na vontade geral e nem fruto de contrato social. Para Hegel, o Estado precede o indivíduo, sendo, portanto o fundador da sociedade civil.
Mas de onde vem o Estado? Segundo Hegel, e de acordo com sua filosofia, que enfatiza o desenvolvimento do espírito ao longo da história e diz que a realidade é a manifestação da razão ou espírito, o estado seria a manifestação do espírito objetivo em seu desenvolvimento, que concilia a universalidade humana com os interesses particulares. Conforme escreve Hegel
O Estado é a realidade efetiva da ideia ética [...]. O indivíduo tem, por sua vez, sua liberdade substancial no sentimento de que ele (o Estado) é sua própria essência, o fim e o produto de sua atividade [...] por ser o Estado o espírito objetivo, o indivíduo só tem objetividade, verdade e ética se toma parte dele.
Desse modo, o Estado possui uma universalidade que está acima dos interesses pessoais.

1.4 O estado como instrumento de domínio de classe

Para Karl Marx e Friedrich Engels, filósofos alemães, entretanto, a sociedade humana vivia de forma primitiva antes do surgimento do estado. Nessas comunidades não havia classes e as funções administrativas eram exercidas pelo conjunto de seus membros. Mas em um determinado momento, um grupo se impôs, pelo uso da força, e passou a privatizar certas funções antes desenvolvidas pela comunidade. Esse grupo normatizou a organizou a vida coletiva. Disso surgiu o que se chama de estado.
Esse fenômeno, a aparição do estado, entretanto, surge quando a produção econômica permite uma divisão das classes em mais abastadas e menos abastadas. Surge então uma relação entre exploradores e explorados, onde o papel do estado seria mediar os conflitos daí surgidos, evitando uma luta entre essas classes antagônicas, por um lado, mas estando a serviço da classe exploradora, por outro.
Para Marx e Engels, portanto, o estado surge para ser um instrumento de dominação da classe dominante (exploradora) sobre a classe dominada (explorada).  Desse modo, “a história da humanidade é a história da luta de classes”.
A exploração consiste em que não há uma universalização do trabalho, que é o fundamento da produção material. A classe dominada (também chamado de classe proletária) é a única que produz, mas sua produção acaba indo para abastar a classe dominante.
Na sociedade capitalista, por exemplo, o papel do estado é assegurar a proteção da propriedade privada dos que a possuem em detrimento dos interesses dos que nada têm. Para proteger a propriedade dos capitalistas, o estado tem uma série de instrumentos que visam preservar as relações sociais, as normas jurídicas e a manutenção das desigualdades sociais. Assim, para os filósofos alemães, o estado surge da desigualdade e para perpetuar a desigualdade.

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