O
modelo de significação referencialista mentalista tem como característica: i) o
referencialismo como fator preponderante no processo de significação, onde o
significado de uma palavra é sua referência; e ii) ter a imagem mental como
fator preponderante no processo de significação, pois o caminho que a palavra
trilha para chegar na referência passa pelas imagens mentais dos usuários da
linguagem. Esse modelo pode apresentar algumas variações quanto ao modo como a
imagem mental é trabalhada, sem, entretanto, perder a característica de
atribuí-la um papel indispensável em todo processo.
Deste
modo, pode-se dizer que no modelo de significação referencialista mentalista
ocorre: i) o homem é afetado por um objeto no mundo; ii) uma imagem mental de
tal objeto é gerada (em sua mente); iii) um som é associado a essa imagem
mental; e iv) sinais escritos são associados aos sons.
Aristóteles, Thomas Hobbes e
Friedrich Nietzsche se mostram como exemplos de filósofos que se encaixam neste
modelo. Entretanto, que sejam feitas ressalvas quanto às peculiaridades de cada
modelo de significação.
1 O mentalismo de Aristóteles
Na obra Da Interpretatione,
Aristóteles esboça um modelo de significação que atende aos requisitos exigidos
para se encaixar no modelo de significação mentalista[1].
O estagirita afirma que “a voz é símbolo das afecções na alma e a escrita da
fala” (cap1, 16a 1 – 10). Se for possível tornar isto mais claro, entende-se
que a voz e a escrita são símbolos que se remetem às afecções da alma, que são
aquilo que estou chamando de imagem mental, e à fala respectivamente. Um
desdobramento disto, entretanto, o qual o filósofo acrescenta logo em seguida,
é que, uma vez que as letras não são as mesmas para todas as pessoas, os sons
falados também não serão os mesmos. Contudo, Aristóteles deixa bastante claro,
as afecções da alma (imagens mentais), as quais são objetos de símbolo dos
sons, são as mesmas para todas as pessoas. Não importa que os nomes sejam dados
por convenção[2]
(cap 2, 16a 20 – 16b 5), o que possibilita a significação é o fato de a
identidade das afecções da alma ser assegurada em todas as circunstâncias e
para todas as pessoas. Em suma, todas as pessoas percebem o mundo da mesma
maneira. Daí ser possível as pessoas se compreenderem, traduzirem de uma língua
para a outra e outros fenômenos linguísticos corriqueiros.
O
que importa anotar neste momento é que: i) a afecção da alma (imagem mental) é
a mesma para todas as pessoas; ii) os sons são símbolos das afecções da alma;
iii) os signos escritos são símbolos dos sons atribuídos às afecções; iv) os
signos escritos e sons podem ser diferentes, contanto que a afecção seja a
mesma; e v) conclui-se que a afecção (imagem mental) tem um papel indispensável
no processo de significação.
1.1 O conceito de pensamento em Aristóteles
Considerando,
entretanto, que o tema central deste trabalho é o conceito de pensamento, é
plausível fazer algumas considerações sobre este conceito no entendimento de
Aristóteles.
No
livro III, capítulos 3 e 4, de sua obra De
Anima, Aristóteles aborda o pensamento sob a ótica de um modelo de
percepção proposto anteriormente (no livro II), onde os objetos do mundo afetam
o indivíduo através dos órgãos dos sentidos, sendo que o meio pelo qual ocorre
essa afetação é chamado de diáfano. Por exemplo, o órgão da visão é o olho, mas
entre a árvore e o olho há um meio que torna possível que a árvore afete o
órgão do sentido em questão. Esse meio é o diáfano, seja o ar ou a água ou o
que quer que seja.
Mas, no que se refere ao pensamento,
Aristóteles se preocupa em refutar uma tese de seus predecessores: o pensamento
é uma realidade corporal, uma espécie de sensação (427a 20). O argumento do
estagirita é simples: ao defender esta tese, seus predecessores afirmavam como
consequência que o semelhante percebe e pensa pelo semelhante; além disso, os
pensamentos são corretos ou errôneos, então ou todas as aparências seriam
verdadeiras ou o engano se dá no contato com o dessemelhante (427b). O problema
é que, para Aristóteles, a sensação dos objetos sensíveis é sempre verdadeira,
enquanto que o pensamento pode ser verdadeiro – no caso da inteligência,
ciência ou opinião verdadeira – ou falso (427b 10). Além do fato que, em
Aristóteles, a sensação é pertencente a todos os animais, mas o pensamento somente
pertence a quem possui razão. Sendo desse modo, o pensamento não pode ser
identificado como sensação.
Não
obstante, o filósofo também distingue pensamento de imaginação. A imaginação
não é pensamento, pois – em um dos argumentos – a imaginação depende de nós –
podemos evocar uma imagem qualquer em nosso espírito –, enquanto que o
pensamento não depende de nós, pois não podemos escapar à verdade e ao erro ao
formar uma opinião (427b 20).
Mas, duas observações são
importantes: i) se o pensamento não tem uma relação de identidade com a
imaginação, ele a compreende (427b 25); e ii) a alma jamais pensa sem imagens
(431a 15). A primeira observação não carece de muitos esclarecimentos. Pensar
implica o uso da faculdade da imaginação, mas é uma faculdade que apresenta
algo mais do que isso. A segunda observação, contudo, pode ser entendida do
seguinte modo: i) Aristóteles divide a alma em algumas partes, sendo que só
pensa quem possui a alma racional ou intelectiva. Na alma racional
(dianoética), as imagens substituem as sensações, ou seja, o intelecto não
trabalha com a coisa percebida, mas apenas com o produto da percepção, que são
as imagens. Dito de outro modo e exemplificando, uma árvore está para o órgão
da visão – podendo ter sua imagem evocada em um momento posterior, inclusive –
assim como a mera imagem da árvore está para o intelecto[3].
Importa-nos
aqui, portanto, a seguinte conclusão: uma vez que o intelecto trabalha com
imagens, o pensamento requer imagens; a alma pensa por intermédio de imagens.
Voltaremos a esse ponto.
2 O mentalismo de Thomas Hobbes
A proposta de Hobbes para resolver o
problema da significação é similar a de Aristóteles, divergindo apenas em
alguns detalhes.
Hobbes defendia – em seu Leviatã – que “o uso geral da linguagem
consiste em passar nosso discurso mental para um discurso verbal, ou a cadeia
de pensamentos para uma cadeia de palavras” (199, p. 44), o que pressupõe algo
que exista de forma independente no (que aqui se chamará de) mundo interior, do
qual as outras pessoas não têm acesso senão o próprio indivíduo. Mas, além
deste mundo interior, também está pressuposto na abordagem da linguagem de
Hobbes um mundo exterior, do qual as outras pessoas têm acesso, e não somente o
próprio indivíduo. Também se pode dizer, em relação a isso, que o discurso
mental está para o mundo interior assim como o discurso verbal está para o
mundo exterior.
Contudo, faz-se necessário explicitar
que esse discurso mental se origina através das sensações. Pois, Hobbes diz em
seu que “não há nenhuma concepção no espírito do homem, que primeiro não tenha
sido originada, total ou parcialmente, nos órgãos dos sentidos” (1999, p. 31). Não
obstante, esse processo ocorre semelhante a como defendia Aristóteles. Os objetos
do mundo afetam o homem de modo a criar uma imagem mental, que Hobbes preferia
chamar de “ilusão originária”, conforme a citação a seguir: “em todos os casos
a sensação nada mais é do que a ilusão originária, causada [...] pela pressão,
isto é, pelo movimento das coisas exteriores nos nossos olhos, ouvidos e outros
órgãos a isso determinados” (1999, p. 32). Aqui está claro aquele encadeamento
mentalista: objeto, imagem mental e discurso sobre o mundo mental.
Como
já dito anteriormente, o discurso mental está para o mundo interior, que nada
mais é do que o conjunto de imagens mentais geradas pelos objetos do mundo que
afetam os homens (usuários da linguagem). Isso significa que o conjunto das
imagens mentais geradas na mente humana correspondem a um discurso autônomo, um
discurso do pensamento, e que o discurso verbal diz respeito ao mundo exterior,
o mundo que afeta todos os homens. Ou seja, o discurso verbal se configura como
uma tradução do discurso mental (produto de imagens mentais), do que se segue que
é na imagem mental que se encontra o coração do processo de significação. Essa
característica será responsável por colocar Hobbes ao lado de Aristóteles, uma
vez que também propõe um modelo de significação mentalista.
2.1 O
pensamento em Hobbes
No pensamento de Hobbes, portanto,
encontram-se duas linguagens: a linguagem verbal, que é externa; e a linguagem
do pensamento, que é interna. Essa linguagem interna ficou conhecida na
história da filosofia como mentalês, que é uma hipótese que defende a existência
de uma linguagem interior universal, da qual todas as línguas naturais são
traduções.
Pinker faz a seguinte pergunta em The Language Instinct (1995, p. 56): “Is thought dependent on
words?” Em
caso de uma resposta positiva e o pensamento depender das palavras, então as
pessoas pensam literalmente em seus idiomas: português, inglês, espanhol,
mandarim e assim por diante. A esse tipo de resposta, entretanto, Pinker faz os
seguintes questionamentos:
E se os pensamentos
dependem de palavras, como uma nova palavra sempre pode ser criada? Como uma
criança poderia aprender uma palavra para iniciar [a linguagem]? Como a
tradução de um idioma para outro seria possível? (1995, p. 58)[4] (Grifos nossos).
Convencido
de que essas necessidades não seriam supridas na primeira hipótese, Pinker
sugere que a resposta deve ser negativa: o pensamento não depende das palavras.
Isso implica que deve haver algo como a linguagem do pensamento: uma linguagem
interna e universal, a qual possibilita a resolução simples de todos esses
problemas. Desse modo, por exemplo, as palavras novas que são criadas são
termos diferentes para traduzir “termos” já existentes na linguagem do
pensamento: o mentalês.
Como
já vimos, Hobbes defende uma linguagem interna, que é parâmetro para a tradução
do discurso verbal, de modo que podemos dizer que para Hobbes o pensamento é
uma linguagem interna inata a todos os indivíduos.
3 O mentalismo de Friedrich Nietzsche
O
filósofo da genealogia da moral também propôs um modelo de significação, ainda
que com suas características peculiares, o qual pode ser classificado como
mentalista.
Nietzsche parte do pressuposto de
que tudo começa na afetação do homem pelos objetos do mundo. Entretanto, há uma
divergência com relação a Aristóteles (e a Hobbes também). Já foi dito
anteriormente que, para o estagirita, um mesmo objeto causa a mesma afecção
(imagem mental) em todas as pessoas. Pois bem, Nietzsche até concorda que o
objeto que afeta os homens seja o mesmo, mas discorda que as afecções (imagens
mentais) sejam as mesmas. Segundo Nietzsche (2007, p. 31), uma palavra nada
mais é do que “a reprodução de um estímulo nervoso em sons”, sendo que esta
imagem mental não passa de uma metáfora do objeto real no mundo. Os sons, não
obstante, já se tratam de outra metáfora, desta vez da imagem mental.
De antemão, um estímulo
nervoso transposto em imagem! Primeira metáfora. A imagem, por seu turno,
remodelada num som! Segunda metáfora. E, a cada vez um completo sobressalto de
esferas em direção a uma outra totalmente diferente e nova. Pode-se conceber um
homem que seja completamente surdo e que jamais tenha tido uma sensação de som
e da música: da mesma forma que este, um tanto espantado com as figuras sonoras
de Chladni sobre a areia, encontra suas causas na vibração das cordas e jurará
que agora não pode mais ignorar aquilo que os homens chamam som, assim sucede a
todos nós com a linguagem. Acreditamos saber algo acerca das próprias coisas,
quando falamos de árvores, cores, neve e flores, mas, com isso, nada possuímos
senão metáforas das coisas, que não correspondem, em absoluto, às
essencialidades originais (NIETZSCHE, 2007 pp. 32 – 34).
Isso
tem como consequência a afirmação de que não há uma coisa tal como a verdade,
pois esta se trata apenas de um atributo da linguagem, convencionado por uma
questão de ordem moral. Assim, a verdade é:
Uma soma de relações
humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transportadas, adornadas,
e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e
obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o
são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que
perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal, e não mais
como moedas (NIETZSCHE, 2007, pp. 36 e 37).
Dessa
forma, não há nenhuma justificativa para o processo de significação que não
seja meramente uma questão moral e útil para os homens. De acordo com
Nietzsche, não há uma mesma percepção de um determinado objeto e não há como,
partindo de percepções subjetivas e particulares, inferir a existência de
universais, os quais são sinalizados por meio dos conceitos. Os conceitos, para
o filósofo alemão, surgem da inobservância do individual e efetivo (2007. p.
36). Ou seja, os homens ignoram o fato de que cada um só tem a sua percepção
subjetiva do mundo e se portam como se fosse, de fato, possível estabelecer um
conhecimento objetivo e, posteriormente, intersubjetivo do mundo. Então, por
exemplo, um homem observa uma árvore e ignora que a imagem mental que produz
dela nada mais é do uma metáfora. A imagem mental da árvore não é a árvore. Não
satisfeito, produz um som para a imagem mental da árvore e ignora não somente
que este som nada mais é do que uma metáfora da imagem mental, como também passa
a acreditar que o som e a árvore do mundo real são a mesma coisa. Daí é que
surge o conceito, segundo Nietzsche.
Bom,
no entanto o que interessa observar é o seguinte: i) o homem, ao entrar em
contato via os órgãos dos sentidos com um objeto no mundo, cria uma imagem mental
deste (que é uma metáfora); ii) posteriormente, cria um som e o associa a
imagem mental (outra metáfora); iii) engana-se acreditando que a imagem mental
é o próprio objeto e que o som diz de fato o que é tal objeto, via imagem
mental; e iv) constrói todo seu sistema de significação fundado em
pressuposições errôneas, do que resultará que não há algo como a verdade, bem
como não há conceitos universais.
Na
abordagem sobre a linguagem de Nietzsche, portanto, a imagem mental tem um
papel indispensável no processo de significação, contanto que se faça a
ressalva de que tal imagem: i) não reproduz fielmente o objeto e ii) não é
mesma para todos os homens. Entretanto, ao ignorar tais fatos, o homem constrói
seu sistema de significação baseado em metáforas, as quais eles tomam por
verdade.
Mas,
de onde vem à necessidade de criar um sistema de significação fundado na ilusão
da verdade? Para Nietzsche, esse impulso à verdade surge porque o homem tem a
necessidade de viver em sociedade, o que o leva a consentir fazer parte de um
acordo. Veja:
Enquanto o indivíduo,
num estado natural das coisas, quer preservar-se contra outros indivíduos, ele
geralmente se vale do intelecto apenas para dissimulação: mas, porque o homem
quer, ao mesmo tempo, existir socialmente e em rebanho, por necessidade e
tédio, ele necessita de um acordo de paz e empenha-se então para que a mais
cruel bellum omnium contra omnes ao
menos desapareça de seu mundo. Esse acordo de paz traz consigo, porém, algo que
parece ser o primeiro passo rumo à obtenção daquele misterioso impulso à
verdade. Agora, fixa-se aquilo que, doravante, deve ser “verdade”, quer dizer,
descobre-se uma designação uniformemente válida e impositiva das coisas, sendo
que a legislação da linguagem fornece também as primeiras leis da verdade: pois
aparece, aqui, pela primeira vez, o contraste entre verdade e mentira.
(NIETZSCHE, 2007, p. 29) (grifos do autor).
Enfim,
o ponto é que essa necessidade gera uma imposição moral, a qual leva os homens
a acreditarem que de fato existe algo como a verdade, ignorando (ainda que
propositalmente) que esta nada mais é do que um mero atributo da linguagem.
4 Críticas ao modelo mentalista
Considerando
que os problemas que um modelo de significação deve enfrentar, para os fins
apropriados deste trabalho, correspondem à relação linguagem, imagem mental e
mundo, além de explicar o fenômeno do falso, deve-se verificar se o modelo
mentalista passa ileso por esses critérios.
A
primeira observação que pode ser feita é que o modelo mentalista apresenta uma
debilidade no que se refere à explicação da articulação, mediada pela imagem
mental, entre o objeto do mundo e o signo linguístico (que aqui pode ser sonoro
ou escrito). Essa debilidade se configura devido à ausência de critérios para
se referir à imagem mental. Isso ocorre devido ao fato de a imagem mental se
localizar em um “espaço” subjetivo, impossível de ser verificado publicamente.
Deste modo, encontra-se uma dificuldade de colocar a imagem mental
(inverificável) como tendo um papel indispensável no processo de significação.
Uma vez que isso ocorre, não obstante, fica implausível se posicionar a
respeito do fenômeno do falso na linguagem.
Aristóteles
se posiciona sobre o fenômeno do falso considerando que tanto a afirmação
quanto a negação são discursos declarativos. Ou seja, discursos que declaram
algo acerca de algo (afirmação) ou declaram algo separado de algo (negação).
Assim, conforme ele escreve em De
Interpretatione:
Uma afirmação é uma
declaração de algo acerca de algo; uma negação é uma declaração de algo
separado de algo. E como é possível declarar tanto que algo pertence, como não
pertencendo, e algo que não pertence, como pertencendo, e o que pertence como
pertencendo, e o que não pertence como não pertencendo, e também com relação ao
tempo, cabe negar tudo que se afirma e afirmar tudo que se nega; assim é
evidente que toda afirmação se opõe uma negação e a toda negação, uma afirmação
(Cap. 6, 17a 25 – 38).
Dessa
forma, Aristóteles consegue resolver o segundo problema com maestria e muita
clareza. Pois, de fato, uma vez que a linguagem se refere ao mundo e que,
quando em relação de referência com um objeto, declara a pertença ou não
pertença de algo a este objeto, criam-se as condições de possibilidades tanto
para o discurso verdadeiro quanto para o falso. Exemplificando, se digo de uma
porta que ela é azul, através do discurso declarativo: “A porta é azul”; estou
declarando que a qualidade “ser azul” pertence à porta. Ora, se de fato a
qualidade de ser azul pertencer à porta, o discurso será verdadeiro, caso
contrário, será falso. E também se pode utilizar o mesmo raciocínio negando que
a qualidade de ser azul pertence à porta.
Contudo,
o problema não reside aqui. O problema reside um passo atrás. Pois, como a
imagem mental está situada em um local que impossibilita sua verificação, todo
discurso significativo, inclusive a afirmação e negação, padece de uma
ilegitimidade. E isso ocorre porque toda a teoria de Aristóteles se sustenta na
suposição de que as imagens mentais (afecções da alma) são as mesmas para todas
as pessoas. O problema é que, quando se pergunta pelos critérios, eles
simplesmente não existem. Não há nada que autorize Aristóteles a afirmar que as
imagens mentais são as mesmas para todas as pessoas. Tal declaração é
inverificável.
Não
obstante, uma possível defesa de que há evidências ou até mesmo a necessidade
de que as imagens mentais sejam as mesmas, visto que as pessoas se comunicam,
se entendem, não passa pelo crivo filosófico rigoroso porque se configura como
uma petição de princípio. Ou seja, supor que as imagens mentais são as mesmas
em todas as pessoas porque há uma comunicação “bem sucedida” é o supor o que
está se querendo provar. Alguém pergunta: “como se pode garantir que as imagens
mentais são as mesmas em todas as pessoas?” e outra pessoa responde: “porque isso
é preciso para que as pessoas se comuniquem e uma prova disso é que as pessoas
se comunicam.” Bem, aqui pode se situar uma linha muito tênue entre condições
de possibilidades e petição de princípio. Parece claro, entretanto, que não se
trata da primeira alternativa. E uma boa razão para defender que não se trata
de condições de possibilidades é que pode muito bem acontecer o que Nietzsche
defende: que a linguagem nada mais é do que metáfora e que ninguém conhece nada
do mundo interior das outras pessoas ou até mesmo do mundo objetivo. Não há o
conhecimento universal. Tudo que os homens têm são metáforas.
Por
hora, no que se refere a Aristóteles, basta apontar que: i) A suposição de que
as imagens mentais são as mesmas para todas as pessoas, tese fundamental de
seua abordagem sobre a linguagem, é inverificável; e ii) disso se segue todos
os outros problemas resolvidos por esse modelo, incluindo o fenômeno do falso,
são soluções ilegítimas.
Thomas
Hobbes, por seu turno, comete erros similares aos de Aristóteles, sobretudo no
que se refere à inverificabilidade do que ocorre no mundo interior das pessoas.
Ao defender que todo um mundo interior se origina a partir das sensações e que
há um discurso mental correspondente a este mundo, Hobbes está defendendo a
existência de uma linguagem privada (que pode ser chamada de mentalês). Esse
discurso privado (mentalês) se configura como parâmetro de correção para todo o
discurso público, correspondente ao mundo exterior, que é justamente o discurso
utilizado no ato da comunicação entre as pessoas. Ainda a respeito disto,
Hobbes afirma que: “o uso geral da linguagem consiste em passar nosso discurso mental
para um discurso verbal, ou a cadeia de pensamentos para uma cadeia de
palavras” (1999, IV, p.44). Além disso, defende que através da introspecção é
possível conhecer o que se passa na mente das outras pessoas (1999,
introdução).
Uma
debilidade neste discurso hobbesiano pode ser exposta ao se indagar pelos
critérios de correção do discurso mental. É certo que o discurso verbal
(público) tem como parâmetro o discurso mental (introspectivo e privado), mas
não seria necessário outro discurso que sirva de parâmetro para o discurso
mental. Essa colocação parece justa, pois a introspecção, critério sugerido por
Hobbes, desconsidera uma assimetria entre primeira pessoa e terceira pessoa. É
bem intuitivo perceber que uma pessoa não pode afirmar saber diretamente das
experiências de outras pessoas como sabe das suas próprias experiências. E isso
se dá porque esse tipo de enunciado é inverificável. Faltam critérios claros de
correção, e em filosofia isso não é bem vindo. Desta forma, a única forma de
justificar o discurso mental é supor a existência de outro discurso, localizado
em outro ambiente metafísico que lhe sirva de parâmetro. Entretanto, tal
discurso também padeceria da falta de critérios, pelo que se recorreria a outro
discurso e depois a outro até se cair explicitamente em um regresso ao
infinito. Em filosofia, isso também não é bem vindo.
Então,
no que se refere a Hobbes, pode-se dizer que: i) o discurso mental é
inverificável, a exemplo da imagem mental de Aristóteles; e ii) isso invalida
todas as tentativas posteriores de resolução de problemas filosóficos
linguísticos.
Friedrich
Nietzsche, entretanto, apresenta uma vantagem em relação aos filósofos
anteriores, que é justamente não ter a “ingenuidade” de supor que as imagens
mentais (Aristóteles) ou o discurso mental (Hobbes) são os mesmos para todas as
pessoas. Entretanto, Nietzsche também comete o erro de fundar sua teoria em um
enunciado inverificável. Desta vez, o enunciado é de que as imagens mentais não
são as mesmas. Nietzsche afirma explicitamente que a imagem mental de um objeto
do mundo é meramente uma metáfora. Afirma ainda que os sons atribuídos às
imagens mentais nada mais são do que outra metáfora. Ao fazer declarações deste
tipo, Nietzsche se compromete com enunciados inverificáveis.
Ora,
se é bem verdade que não se pode afirmar que as imagens mentais de todas as
pessoas sejam iguais, também se configura um equívoco do mesmo tipo afirmar que
estas mesmas imagens mentais não são iguais. A alternativa mais sóbria, ao que
parece, seria suspender qualquer juízo acerca disto.
Ao
assumir, entretanto, que as imagens mentais são diferentes, Nietzsche tem que
admitir (não que seja penoso para ele fazer isto) que não há o falso ou o
verdadeiro. A verdade e a falsidade, aos fins das contas, não passam de
atributos da linguagem, não tendo nenhuma relação com o mundo, e que são
colocados por questões meramente morais.
Bem,
se por um lado Nietzsche não cede à “ingenuidade” de afirmar a identidade das
imagens mentais, por outro não consegue se desvencilhar do papel de
preponderância atribuído à imagem mental no processo de significação. Pois,
ainda que funcione enquanto metáfora, ela continua no coração do processo de
significação. Nessas condições, pode-se dizer, no que se refere a Nietzsche,
que: i) as imagens mentais são apenas metáforas dos objetos do mundo (enunciado
inverificável); e ii) disso se segue que todo o seu sistema de significação, o
qual exclui o verdadeiro e falso como algo pertencente à relação da linguagem
com o mundo, também padece de uma alta dose de ilegitimidade.
Uma
conclusão prévia do que se discutiu neste capítulo é que esse modelo de significação
mentalista necessita ser superado.
[1] O modelo mentalista é necessariamente
referencialista, mas o modelo referencialista não necessita ser
referencialista. Por exemplo, o referencialismo de Aristóteles é mentalista
(daí que o classifico como mentalista), no texto, mas o referencialismo de
Frege não é mentalista.
[2] No diálogo Crátilo, Platão apresenta duas teses opostas para a solução do
problema da significação: o naturalismo, que defendia que as palavras tem uma
relação natural com as coisas das quais são símbolos; e o convencionalismo, que
afirma que o significado das palavras se dá por convenção. Aristóteles está
claramente mais próximo do convencionalismo.
[3] Para uma breve leitura sobre o
intelecto ativo e passivo em Aristóteles, bem como sua relação com o
pensamento, ver Aristotle on Thinking
(Noêsis), de Marc Cohen (2008).
[4] Do
original em inglês: “And if thoughts depended on words, how could a new word
ever be coined? How could a child learn a word to begin with? How could
translation from one language to another be possible?”