sexta-feira, 20 de outubro de 2017

FILOSOFIA POLÍTICA 2: O SURGIMENTO DO ESTADO


1 Estado

Segundo Aristóteles, o homem é um animal político, do que se segue que a convivência em sociedade é resultado da natureza do homem. Entretanto, filósofos dos séculos XVII e XVIII se preocuparam em apresentar outro tipo de explicação racional para o surgimento da vida em sociedade e, consequentemente, para a criação do Estado. Tais filósofos são conhecidos como contratualistas, pois defendem que os homens por natureza são livres e iguais, mas em algum momento surgiu a necessidade de abrir mão desses direitos e estabelecer um pacto, um contrato social. Vejamos isto a seguir.

1.1 Teorias Contratualistas

Essas teorias recorrem a uma situação hipotética e retórica conhecida como Estado de Natureza. A forma como os homens se encontravam organizados e se relacionavam no Estado de Natureza é que vai justificar o modo apropriado de organização e natureza do Estado. Vejamos.
Thomas Hobbes, autor da célebre obra O Leviatã, não concordava com Aristóteles quando este afirmava que o homem possui em sua natureza o instinto de sociabilidade. O que ocorre é que os homens são competitivos entre si, onde sempre encaram o outro como um concorrente que precisa ser dominado para o alcance de seus interesses e a satisfação dos seus desejos. Daí surge como consequência que do estado de natureza se seguiu um estado de guerra de todos contra todos, onde ocorriam matanças e toda sorte de abusos. Isso levou Hobbes a afirmar que “o homem é o lobo do homem” (homo homini lúpus).
Para resolver o impasse acima, portanto, foi necessário que os homens delegassem sua liberdade e igualdade (direitos naturais) para o estado, que regula as relações entre os indivíduos da sociedade formada. Isso seria o contrato social nos moldes de Hobbes.
Como consequência da delegação da liberdade e igualdade, os homens não poderiam mais guiar a si mesmos, deixando esta tarefa para o estado, que governaria a todos, impondo ordem, segurança e direção à situação catastrófica em que se encontravam os homens. Nas palavras de Hobbes, os homens deveriam
[...] conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade [...] é como cada homem dissesse a cada homem [...] transfiro meu direito de governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.
Desse modo, caberia ao Estado, que é soberano, assegurar a paz e a defesa comum da sociedade. Isso impediria que os homens continuassem caçando a si próprios, eliminando a barbárie.
Para John Locke, filósofo inglês, os homens, no estado de natureza, não viviam em uma guerra de todos contra todos, como acreditava Hobbes, mas apresentavam como problema o fato de cada um ser juiz de si mesmo. Ora, não havia uma normatização geral para regular a relação dos homens entrei si, do que segue a aparição de vários problemas. Para resolver esse impasse, surge o estado, que teria como função primordial garantir a segurança dos indivíduos e de seus direitos naturais, como a liberdade e a propriedade.
Desse modo, através do contrato social, nos moldes de Locke, delegariam ao estado o direito de normatizar e julgar as relações entre os homens. Os direitos a liberdade e a igualdade, entretanto, não seriam transferidos de forma alguma. Daí surge a concepção de Estado Liberal, que apenas julgaria os conflitos sociais, sem interferir nos direitos individuais, como a expressão dos pensamentos, a propriedade e a atividade econômica.
A diferença fundamental entre o estado soberano de Hobbes e estado liberal de Locke é que, no primeiro, não há direitos individuais e que, no segundo, tais direitos são assegurados pelo Estado.
Outro filósofo contratualista, que apresentou seu próprio ponto de vista, é o francês Jean-Jacques Rosseau. Esse pensador afirma que o homem por natureza é livre e é a vida em sociedade que o acorrenta, minando sua liberdade. Contudo, Rosseau afirma que há um único fundamento legítimo para o poder político, que seria o pacto social.
Para Rosseau, o pacto social consiste em todos os homens transferirem sua vontade particular à vontade geral. Ou seja, cada cidadão se submete ao poder político (ao Estado) desde que este represente a vontade geral do povo. Assim, o dever ou compromisso de cada cidadão é apenas com seu povo, que é a fonte legítima da soberania do estado. Assim, nas palavras de Rosseau, “cada um de nós põe sua pessoa e poder sob uma suprema direção da vontade gera, e recebe ainda cada membro como parte indivisível do todo”.
O que caracteriza fundamentalmente o estado nos moldes de Rosseau é que cada cidadão deve obedecer às leis que regem a sociedade, contudo tais leis devem representar a vontade geral do povo, o implica que obedecê-las não contraria a sua própria vontade particular. O interesse último do estado legítimo é o bem comum. Para Rosseau, um estado que não tenha essa configuração não é legítimo.
Vale salientar que uma diferença básica entre Hobbes e Rosseau é que, para o primeiro, o homem é portador de um instinto natural perverso, necessitando da sociedade para coibi-los, e para o segundo o homem tem uma natureza boa, que foi corrompida pela vida em sociedade.

1.2 A divisão dos poderes políticos

Como o Estado tem a função de regular o convívio entre os indivíduos, é natural que apareçam três tipos de poderes. O poder de legislar (legislativo), o poder de julgar de acordo com as leis (judiciário) e o poder de executar as leis (executivo). Esses poderes, entretanto, nem sempre foram divididos, o que implicava que um mesmo homem ou instituição legislava, julgava e executava. Isso abria precedentes para que houvesse constantemente abusos de poder.
Para combater o exposto acima, o filósofo francês Charles de Secondat, mais conhecido como barão de Mostesquieu, propôs uma teoria da divisão dos três tipos de poderes, pois:
Quando os poderes legislativo e executivo ficam reunidos numa mesma pessoa ou instituição do Estado, a liberdade desaparece [...] Não haverá também liberdade se o poder judiciário se unisse ao executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. E tudo estaria perdido se uma mesma pessoa ou instituição do Estado exercesse os três poderes: o de fazer leis, o de ordenar a sua execução e o de julgar os conflitos entre os cidadãos.
Desse modo, Mostesquieu defendia que os poderes políticos devem ser separados, independentes e equilibrados entre si. Os estados modernos (que não são ditaduras) se organizam dessa forma.

1.3 O Estado segundo Hegel

Pensando diferente de Locke e Rosseau, Georg Hegel não acredita na ideia de estado liberal e que se pode falar em indivíduos isolados em estado de natureza, que posteriormente se organizariam em sociedade. Para Hegel, o indivíduo humano só pode ser visto enquanto tal à medida que esteja inserido em uma sociedade: o indivíduo é um ser social. Além disso, o filósofo alemão defende que o estado não é soma de indivíduos, não fundado na vontade geral e nem fruto de contrato social. Para Hegel, o Estado precede o indivíduo, sendo, portanto o fundador da sociedade civil.
Mas de onde vem o Estado? Segundo Hegel, e de acordo com sua filosofia, que enfatiza o desenvolvimento do espírito ao longo da história e diz que a realidade é a manifestação da razão ou espírito, o estado seria a manifestação do espírito objetivo em seu desenvolvimento, que concilia a universalidade humana com os interesses particulares. Conforme escreve Hegel
O Estado é a realidade efetiva da ideia ética [...]. O indivíduo tem, por sua vez, sua liberdade substancial no sentimento de que ele (o Estado) é sua própria essência, o fim e o produto de sua atividade [...] por ser o Estado o espírito objetivo, o indivíduo só tem objetividade, verdade e ética se toma parte dele.
Desse modo, o Estado possui uma universalidade que está acima dos interesses pessoais.

1.4 O estado como instrumento de domínio de classe

Para Karl Marx e Friedrich Engels, filósofos alemães, entretanto, a sociedade humana vivia de forma primitiva antes do surgimento do estado. Nessas comunidades não havia classes e as funções administrativas eram exercidas pelo conjunto de seus membros. Mas em um determinado momento, um grupo se impôs, pelo uso da força, e passou a privatizar certas funções antes desenvolvidas pela comunidade. Esse grupo normatizou a organizou a vida coletiva. Disso surgiu o que se chama de estado.
Esse fenômeno, a aparição do estado, entretanto, surge quando a produção econômica permite uma divisão das classes em mais abastadas e menos abastadas. Surge então uma relação entre exploradores e explorados, onde o papel do estado seria mediar os conflitos daí surgidos, evitando uma luta entre essas classes antagônicas, por um lado, mas estando a serviço da classe exploradora, por outro.
Para Marx e Engels, portanto, o estado surge para ser um instrumento de dominação da classe dominante (exploradora) sobre a classe dominada (explorada).  Desse modo, “a história da humanidade é a história da luta de classes”.
A exploração consiste em que não há uma universalização do trabalho, que é o fundamento da produção material. A classe dominada (também chamado de classe proletária) é a única que produz, mas sua produção acaba indo para abastar a classe dominante.
Na sociedade capitalista, por exemplo, o papel do estado é assegurar a proteção da propriedade privada dos que a possuem em detrimento dos interesses dos que nada têm. Para proteger a propriedade dos capitalistas, o estado tem uma série de instrumentos que visam preservar as relações sociais, as normas jurídicas e a manutenção das desigualdades sociais. Assim, para os filósofos alemães, o estado surge da desigualdade e para perpetuar a desigualdade.

FILOSOFIA POLÍTICA 1: BEM COMUM OU INTERESSE PRIVADO


1 Política

Os gregos da antiguidade se organizavam em cidades-estados chamadas “polis”, o que influenciou na criação de termos como politike, a política. De uma forma geral, a política passou a designar todos os assuntos relacionado à polis, que posteriormente, e em consequência disto, os assuntos relacionados às sociedades, ao sentido de comunidade e a até mesmo à vida urbana. Partindo disto, criou-se a Filosofia Política, que investigava (e investiga) todas as questões referentes ao convívio em sociedade e ao espaço público e político.
Vejamos como essa investigação se desenvolveu na história da filosofia.

1.1 Platão e Aristóteles: a política voltada para o bem comum

Na Grécia Antiga, dois filósofos defendiam que a Política tinha a finalidade de propiciar o bem comum aos habitantes da pólis. Vejamos como se deu isso.
Platão, em seu livro A República, explica que o homem possui três tipos de alma: a concupiscente, a irascível e a racional. A primeira está associada aos desejos carnais, a segunda às paixões e a terceira ao conhecimento. Analogamente, o filosofo grega afirma que a pólis se divide em três grupos sociais: os produtores, que são responsáveis pela produção econômica, que seriam os artesão e agricultores e criadores de animais, que seria correspondente à alma concupiscente; os guardiães, que seriam os responsáveis pela defesa da cidade, como os soldados, que corresponderia a parte irascível da alma; e os governantes, que seria correspondente à alma racional.
Desse modo, Platão afirma que uma sociedade justa seria aquela onde há um equilíbrio entre esses grupos sociais, onde cada um deveria exercer suas respectivas funções. Veja:
Um acordo perfeito entre os três elementos da sua alma, assim como entre os três tons extremos de uma harmonia – o mais agudo, o mais grave, o médio, e os intermédios, se os houver -, e que, ligando-os uns aos outros se transforme, de múltiplo que era, em uno, moderado e harmonioso.
Isso expressa muito bem a ideia de harmonia entre os três grupos que compõem a sociedade.
Além disso, como a alma racional é alma que está associada ao conhecimento, sendo, portanto, a que governa sobre as demais, o grupo dos governantes deve estar naturalmente acima dos outros. Desse modo, Platão propõe uma sociedade onde se separariam os jovens mais aptos ao conhecimento, através da educação, dos quais, após uma vida inteira de busca e cultivo do conhecimento, sairia o governante. Esse governante sábio é conhecido como o Rei Filósofo.
Como, para Platão, quem deve governar, portanto, deter o poder, é o mais sábio, essa forma de governo é denominada de Sofocracia: o governo dos sábios.
Aristóteles, que firma que “o homem é por natureza um animal social”, a exemplo de Platão, seu mestre, também defendia que a Política tinha como finalidade o bem comum, entretanto, com algumas características peculiares. Veja o que ele afirma em Ética a Nicómaco:
Mas não terá o seu conhecimento, porventura, grande influência sobre essa vida? Semelhantes a arqueiros que têm um alvo certo para a sua pontaria, não alcançaremos mais facilmente aquilo que nos cumpre alcançar? Se assim é, esforcemo-nos por determinar, ainda que em linhas gerais apenas, o que seja ele e de qual das ciências ou faculdades constitui o objeto. Ninguém duvidará de que o seu estudo pertença à arte mais prestigiosa e que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra. Ora, a política mostra ser dessa natureza, pois é ela que determina quais as ciências que devem ser estudadas num Estado, quais são as que cada cidadão deve aprender, e até que ponto; e vemos que até as faculdades tidas em maior apreço, como a estratégia, a economia e a retórica, estão sujeitas a ela. Ora, como a política utiliza as demais ciências e, por outro lado, legisla sobre o que devemos e o que não devemos fazer, a finalidade dessa ciência deve abranger as das outras, de modo que essa finalidade será o bem humano. Com efeito, ainda que tal fim seja o mesmo tanto para o indivíduo como para o Estado, o deste último parece ser algo maior e mais completo, quer a atingir, quer a preservar. Embora valha bem a pena atingir esse fim para um indivíduo só, é mais belo e mais divino alcançá-lo para uma nação ou para as cidades-Estado.
Para alcançar tal finalidade, entretanto, Aristóteles faz um mapeamento acerca das formas possíveis de governo. Segundo o estagirita, os governos podem ser divididos em relação a servir ao bem comum ou ao interesse privado. Além disso, pode ser composto por um homem só, por poucos homens ou pela maior parte dos homens. Dessa configuração, classificam-se três tipos de governos corretos e três tipos de governos corruptos. São eles:
Governos corretos: monarquia, de um homem só; aristocracia, de poucos homens; e polítia, da maior parte dos homens.
Governos corruptos: tirania, de um homem só; oligarquia, de poucos homens; e democracia, da maioria dos homens.
Em Aristóteles e em Platão, há uma relação direta entre a ética e a política.

1.2 Maquiavel: o príncipe e seu interesse privado

Para Nicolau Maquiavel, observando que há uma disparidade entre a política ideal e a política real, o objetivo da política é tão somente conquistar e se manter no poder. Para alcançar essa finalidade, o príncipe deve agir de acordo com uma cisão entre a ética e a política. Veja o que o próprio filósofo afirma:
O quão louvável é que um príncipe honre a sua palavra e viva de uma forma íntegra, cada qual o compreenderá. Todavia, a experiência nos faz ver que, nestes nossos tempos, os príncipes que mais se destacaram pouco se preocuparam em honrar as suas promessas; que, além disso, eles souberam, com astúcia, ludibriar a opinião pública; e que, por fim, ainda lograram vantagens sobre aqueles que basearam as suas condutas na lealdade.
Assim, devemos saber que existem dois modos de combater: um com as leis; o outro, com a força. O primeiro modo é o próprio do homem; o segundo, dos animais. Porém, como o primeiro muitas vezes mostra-se insuficiente, impõe-se um recurso ao segundo. Por conseguinte, a um príncipe é necessário saber valer-se dos seus atributos de animal e de homem.
[...] E pois que um príncipe precisa saber realmente valer-se da sua natureza animal, convém que tome como modelos a raposa e o leão; posto que a raposa mostre-se indefesa contra os lobos e o leão contra as armadilhas do homem, o príncipe proverá às suas carências com aquela conhecendo as armadilhas do homem e com este espavorindo os lobos. Com efeito aqueles que agem unicamente como leões revelam a sua inabilidade. Portanto, não pode nem deve um soberano prudente cumprir as suas promessas quando um tal cumprimento ameaça voltar-se contra ele e quando se diluem as próprias razões que o levaram a prometer. Se os homens fossem todos bons, bom não seria o preceito; mas, visto que eles são pérfidos e que, em teu favor, tampouco honrariam a sua palavra, tu não tens de sertir-te no dever de, em seu favor, honrar a tua. Aliás, razões jamais faltam a um príncipe para fundamentar o descumprimento das suas promessas.
[...] A um príncipe, portanto, não é necessário que de fato possua todas as sobreditas qualidades, é necessário, porém, e muito, que ele pareça possuí-las. Antes, ouso dizer que, possuindo-as e praticando-as sempre, elas redundam em prejuízo para si, ao passo que, simplesmente dando a impressão de possuí-las, as mesmas mostram toda a sua utilidade. Da mesma forma, tu, conquanto aparentes ser o que és – piedoso, fiel, humano, íntegro e religioso –, deves estar preparado e apto para, em caso de necessidade, demudar-te no teu contrário.
[...] Ademais, das ações de qualquer homem e mormente das ações de um príncipe (nenhum tribunal sendo competente para julgá-lo) consideramos simplesmente os seus resultados. Em sendo assim, o príncipe deve fazer por onde alcançar e sustentar o seu poder: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos elogiados, e isto porque apenas às suas aparências e às suas consequências ater-se-á o vulgo, este vulgo cuja presença é predominante no mundo.
Bem, Maquiavel propõe que o poder político está envolto em lutas e tensões entre os grupos sociais, que seriam, basicamente, os poderosos e o povo. Partindo do pressuposto que a política sempre foi e sempre será assim, é mera ilusão buscar o bem comum para todos. Basta alcançar e manter o poder.
Também vale a pena ressaltar que, para Maquiavel, há dois tipos de virtude: a virtú do tirano e a virtú do homem político. O Príncipe deveria cometer seus crimes com a virtude do homem político. Cuidando para aparentar ser virtuoso no sentido convencional (piedoso, caridoso, etc.) e buscando ser amado e temido. Contudo, quando não for possível ser amado e temido simultaneamente, é melhor ser temido que amado.

ÉTICA


1. Ética

Derivada do grego ethikos, que significa “modo de ser” ou “comportamento”, a palavra ética é o termo que designa o ramo da filosofia que investiga sobre os fundamentos das ações humanas. O que preocupa o filósofo é como saber quando uma ação é correta ou incorreta, boa ou má, justa ou injusta. Assim, a ética é ciência que julga a conduta moral (do latim mor, que significa “costume”) das pessoas.
Veja o que disse Aristóteles, em sua obra intitulada A Política: “A característica específica do homem em comparação com os outros animais é que somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e de outras qualidades morais”.
Entretanto, há uma razão muito importante para saber como agir corretamente. Ora, sabendo como agir de forma correta, torna-se possível viver da melhor forma possível. Dito de outro modo, a investigação ética pretende oferecer respostas sobre a forma de se alcançar uma vida feliz.
Passemos aos diferentes propostas de ética ao longo da história da filosofia.

1.1 Ética das virtudes

Ética predominante na Grécia Antiga e desenvolvida por Platão e Aristóteles, definia a ação correta como sendo a ação virtuosa.
Para Platão, o conhecimento do bem, portanto, da ação correta, justa, apresentava um caráter teórico. Assim, através do processo de rememoração, adquirido ao se dedicar à filosofia, o homem contemplava o bem supremo e poderia agir de acordo com ele. Desse modo, a virtude ética era entendida como inata ao homem.
Para Aristóteles, entretanto, a ética não era uma disciplina teórica, era uma disciplina prática. Nesse sentido, a virtude ética não era entendida como inata ao homem, mas adquirida pelo hábito. Então, para Aristóteles, o homem se tornava virtuoso praticando atos virtuosos. Ou seja, um homem se torna justo praticando atos justos; se torna corajoso praticando atos corajosos; se torna bom praticando a bondade; etc.
Mas, o que vem a ser a virtude? Aristóteles entendia a virtude como sendo o equilíbrio ou a justa medida entre dois extremos: a falta e o excesso. Isso significa, por exemplo, que a coragem é a justa medida entre a covardia e a temeridade, sendo que a covardia é a falta e a temeridade é o excesso.
Deve-se salientar que para os filósofos gregos, o homem só poderia ser feliz enquanto tivesse uma vida inteira orientada pela prática da justiça, portanto, pelo exercício da virtude.

1.2 Ética Epicurista (dos prazeres)

Ética que definia a ação correta como sendo a capacidade de escolher de forma correta os prazeres a ser desfrutados. Isso quer dizer que o filósofo epicurista se entrega ao desfrute de certos prazeres e evita o desfrute de outros quando lhe convém.
Mas o que vem a ser o prazer? Para Epicuro, fundador do epicurismo, prazer é a ausência de dor. Isso que dizer que o filósofo epicurista não viverá em busca de sensações agradáveis, como as sensações advindas da mesa e da cama. Desse modo, a ética epicurista não é uma ética hedonista.
A melhor forma de viver, de acordo com essa corrente filosófica, seria viver de forma simples, desfrutando os prazeres mais comuns, que às vezes passam despercebidos. Além disso, um prazer deve ser evitado quando o seu desfrute provocar um desprazer maior e um desprazer deve ser desfrutado quando provocar um prazer ainda maior. Por exemplo, comer doces é prazeroso, mas deve-se evitar comer em excesso para evitar problemas de saúde; e tomar remédios pode ser desprazeroso, mas devem ser tomados para a aquisição da saúde. Não obstante, Epicuro defendia que o cultivo da amizade é muito importante para se viver feliz.

1.3 Ética Cristã

Ética também pautada pela prática da vida virtuosa, também defendida pelos gregos, mas que difere dos clássicos por dois motivos:
Abandono da visão mundana: o fim último da vida não está neste mundo, o que implica na centralização da busca pela perfeição moral no amor a Deus.
Emergência da subjetividade: trata a questão ética de um ponto de vista pessoal, onde o importante é a relação entre cada indivíduo e Deus.
Para Tomás de Aquino, o fim último da vida humana continua sendo a felicidade, mas a fonte dela está em Deus.

1.4 Teorias éticas consequêncialistas e deontológicas

Uma forma mais rigorosa de colocar o problema da fundamentação de uma ação, que é a fundamentação moral, é a seguinte: Qual o critério nos permite dizer que uma ação é moralmente correta? De que depende o valor moral de ação?
Para resolver esse problema surgiram dois tipos de teorias: as consequêncialistas e as deontológicas. Vejamos o que caracteriza cada uma delas.
Teorias éticas consequêncialistas: afirmam que o critério para a correção moral de uma ação está nas suas consequências. Desse modo, a ação correta é aquela que causa as melhores consequências. Dentre as teorias consequencialistas, destaca-se o utilitarismo de Stuart Mill.
Stuart Mill propõe que a felicidade é a finalidade última das ações humanas. O critério de moralidade é o princípio de utilidade, que diz: as ações são moralmente corretas se promoverem a felicidade ou o bem estar para o maior número de pessoas envolvidas. Assim, ao escolher uma ação, devemos considerar as suas consequências de felicidade ou bem estar para as pessoas afetadas. Sendo que a felicidade é vista de uma forma imparcial para todos os envolvidos na escolha entre a felicidade do agente e a felicidade geral.
Teorias éticas deontológicas: afirma que o critério para a correção moral de uma ação está no seu valor intrínseco. Dessa forma, a ação correta não está submetida às consequências, mas é determinada pelos valores que traz consigo. A principal teoria deontológica é de Immanuel Kant.
Immanuel Kant defendia a crença fundamental de que o bem último é a boa vontade, que é única e absolutamente boa, tem seu valor em si mesma, não em virtude de seus resultados, e que age por dever.
Em sua Crítica da Razão Prática, Kant afirma o seguinte: “Duas coisas enchem o meu coração de admiração: o céu estrelado por cima de mim e a lei moral em mim”. Isso indica que, no pensamento do filósofo, há uma lei moral objetiva e universal sobre nós. Essa lei, entretanto, só pode ser obtida pela razão. Isso se dá da seguinte forma: Existe um mundo noumenal, que é onde se localizam os princípios a priori da razão, e o mundo fenomenal, guiado pela razão. No mundo noumenal a vontade é objetiva e necessária, mas no mundo fenomenal é subjetiva e contingente. O desafio de Kant era, portanto, conseguir como que o homem agisse no mundo fenomenal guiado pela razão, pelas proposições sintéticas a priori. Kant aponta a seguinte saída: se o homem fosse um ser puramente racional não teria problemas, pois sempre agiria guiado por uma vontade objetiva necessária; mas o homem também é sensível, não sendo um ser puramente racional, mas sujeito a vontade subjetiva contingente do mundo fenomenal; a menos que, utilizando a razão pura prática, torne-se legislador, ao contemplar o mundo noumenal, e cumpridor da lei no mundo fenomenal. É daí que surge o imperativo categórico kantiano, a obrigação de agir de modo que a máxima que gerou a ação possa se tornar uma lei universal. Dessa forma pode conciliar a vontade pura e a vontade empírica.
O imperativo categórico é um tipo de juízo (categórico) que traz o seu valor moral em si mesmo. Diverge dos juízos hipotéticos, que têm seu valor nos resultados de suas ações. Assim, os juízos hipotéticos são meios para fins, enquanto os juízos categóricos são fins em si mesmos. A fórmula do princípio categórico pode aparecer, entre outras, das seguintes formas:
“Age apenas segunda uma máxima tal que possas querer, ao mesmo tempo, que se torne lei universal”;
“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio”.

1.5 Teoria ética do discurso

Outra maneira de tentar resolver os problemas sobre os critérios morais da ação humana é recorrer ao discurso intersubjetivo (que envolve todos os sujeitos envolvidos pela ação), desenvolvida no campo da análise da linguagem, onde a ação correta será deliberada através de um consenso das partes envolvidas.
Os filósofos que desenvolveram essa teoria ética, que datam do início do século XX, foram Karl-Otto Apel e Jurgen Habermas, os quais indicam dois modos de razão: a razão instrumental e razão comunicativa. A primeira se configura como meio para se chegar a determinados fins; a segunda é a que se constrói a partir de uma argumentação que leva a um entendimento entre os indivíduos. A razão comunicativa é interpessoal, que não se confunde com subjetiva, e é processual, não sendo definitiva e acabada.
Para que as partes envolvidas possam se posicionar livremente, é necessário que não haja nenhum modo de constrangimento, para que haja um diálogo livre, onde o convencimento se dá a partir de argumentos que devem ser válidos e coerentes.
Desse modo, a ética discursiva se configura como uma aposta na linguagem e na capacidade de entendimento entre as pessoas, as quais devem buscar uma ética democrática, que está baseada em valores consensualmente aceitos como válidos.
Segundo Zanella, para Habermas e Apel, a ética discursiva é capaz de:
Atender as necessidades de validação de normas éticas para as situações históricas que irão estabelecer o padrão normativo para a práxis histórica dos afetados pelas situações reais;
Possibilitar a validação dos interesses ou das necessidades reais de todos os concernidos pelas normas, pois ninguém melhor do que os próprios envolvidos para saberem das suas reais necessidades;
Possibilitar a validação do saber, atualmente nas mãos dos especialistas, os quais podem prever um cenário com possíveis consequências e efeitos colaterais que podem previsivelmente decorrer de tais normas, leis ou ações a serem validadas;
Possibilitar a validação dos fatos relevantes nas situações e a avaliação adequada da situação em que se deve agir.
Em relação à ética kantiana, veja o que Rauber diz:
A ética do discurso tem na linguagem argumentativa o critério procedimentalista para a fundação racional de normas morais. Embora a ética do discurso encontre as suas raízes na teoria moral kantiana, há uma diferença fundamental entre as duas propostas: em Kant, cada sujeito em seu interno determina o que é o que não é (objetivamente) moral; já a ética do discurso, as questões morais são resolvidas dentro de uma comunidade de comunicação.

Essa ética discursiva é a que está em voga na atualidade.