sexta-feira, 20 de outubro de 2017

FILOSOFIA POLÍTICA 1: BEM COMUM OU INTERESSE PRIVADO


1 Política

Os gregos da antiguidade se organizavam em cidades-estados chamadas “polis”, o que influenciou na criação de termos como politike, a política. De uma forma geral, a política passou a designar todos os assuntos relacionado à polis, que posteriormente, e em consequência disto, os assuntos relacionados às sociedades, ao sentido de comunidade e a até mesmo à vida urbana. Partindo disto, criou-se a Filosofia Política, que investigava (e investiga) todas as questões referentes ao convívio em sociedade e ao espaço público e político.
Vejamos como essa investigação se desenvolveu na história da filosofia.

1.1 Platão e Aristóteles: a política voltada para o bem comum

Na Grécia Antiga, dois filósofos defendiam que a Política tinha a finalidade de propiciar o bem comum aos habitantes da pólis. Vejamos como se deu isso.
Platão, em seu livro A República, explica que o homem possui três tipos de alma: a concupiscente, a irascível e a racional. A primeira está associada aos desejos carnais, a segunda às paixões e a terceira ao conhecimento. Analogamente, o filosofo grega afirma que a pólis se divide em três grupos sociais: os produtores, que são responsáveis pela produção econômica, que seriam os artesão e agricultores e criadores de animais, que seria correspondente à alma concupiscente; os guardiães, que seriam os responsáveis pela defesa da cidade, como os soldados, que corresponderia a parte irascível da alma; e os governantes, que seria correspondente à alma racional.
Desse modo, Platão afirma que uma sociedade justa seria aquela onde há um equilíbrio entre esses grupos sociais, onde cada um deveria exercer suas respectivas funções. Veja:
Um acordo perfeito entre os três elementos da sua alma, assim como entre os três tons extremos de uma harmonia – o mais agudo, o mais grave, o médio, e os intermédios, se os houver -, e que, ligando-os uns aos outros se transforme, de múltiplo que era, em uno, moderado e harmonioso.
Isso expressa muito bem a ideia de harmonia entre os três grupos que compõem a sociedade.
Além disso, como a alma racional é alma que está associada ao conhecimento, sendo, portanto, a que governa sobre as demais, o grupo dos governantes deve estar naturalmente acima dos outros. Desse modo, Platão propõe uma sociedade onde se separariam os jovens mais aptos ao conhecimento, através da educação, dos quais, após uma vida inteira de busca e cultivo do conhecimento, sairia o governante. Esse governante sábio é conhecido como o Rei Filósofo.
Como, para Platão, quem deve governar, portanto, deter o poder, é o mais sábio, essa forma de governo é denominada de Sofocracia: o governo dos sábios.
Aristóteles, que firma que “o homem é por natureza um animal social”, a exemplo de Platão, seu mestre, também defendia que a Política tinha como finalidade o bem comum, entretanto, com algumas características peculiares. Veja o que ele afirma em Ética a Nicómaco:
Mas não terá o seu conhecimento, porventura, grande influência sobre essa vida? Semelhantes a arqueiros que têm um alvo certo para a sua pontaria, não alcançaremos mais facilmente aquilo que nos cumpre alcançar? Se assim é, esforcemo-nos por determinar, ainda que em linhas gerais apenas, o que seja ele e de qual das ciências ou faculdades constitui o objeto. Ninguém duvidará de que o seu estudo pertença à arte mais prestigiosa e que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra. Ora, a política mostra ser dessa natureza, pois é ela que determina quais as ciências que devem ser estudadas num Estado, quais são as que cada cidadão deve aprender, e até que ponto; e vemos que até as faculdades tidas em maior apreço, como a estratégia, a economia e a retórica, estão sujeitas a ela. Ora, como a política utiliza as demais ciências e, por outro lado, legisla sobre o que devemos e o que não devemos fazer, a finalidade dessa ciência deve abranger as das outras, de modo que essa finalidade será o bem humano. Com efeito, ainda que tal fim seja o mesmo tanto para o indivíduo como para o Estado, o deste último parece ser algo maior e mais completo, quer a atingir, quer a preservar. Embora valha bem a pena atingir esse fim para um indivíduo só, é mais belo e mais divino alcançá-lo para uma nação ou para as cidades-Estado.
Para alcançar tal finalidade, entretanto, Aristóteles faz um mapeamento acerca das formas possíveis de governo. Segundo o estagirita, os governos podem ser divididos em relação a servir ao bem comum ou ao interesse privado. Além disso, pode ser composto por um homem só, por poucos homens ou pela maior parte dos homens. Dessa configuração, classificam-se três tipos de governos corretos e três tipos de governos corruptos. São eles:
Governos corretos: monarquia, de um homem só; aristocracia, de poucos homens; e polítia, da maior parte dos homens.
Governos corruptos: tirania, de um homem só; oligarquia, de poucos homens; e democracia, da maioria dos homens.
Em Aristóteles e em Platão, há uma relação direta entre a ética e a política.

1.2 Maquiavel: o príncipe e seu interesse privado

Para Nicolau Maquiavel, observando que há uma disparidade entre a política ideal e a política real, o objetivo da política é tão somente conquistar e se manter no poder. Para alcançar essa finalidade, o príncipe deve agir de acordo com uma cisão entre a ética e a política. Veja o que o próprio filósofo afirma:
O quão louvável é que um príncipe honre a sua palavra e viva de uma forma íntegra, cada qual o compreenderá. Todavia, a experiência nos faz ver que, nestes nossos tempos, os príncipes que mais se destacaram pouco se preocuparam em honrar as suas promessas; que, além disso, eles souberam, com astúcia, ludibriar a opinião pública; e que, por fim, ainda lograram vantagens sobre aqueles que basearam as suas condutas na lealdade.
Assim, devemos saber que existem dois modos de combater: um com as leis; o outro, com a força. O primeiro modo é o próprio do homem; o segundo, dos animais. Porém, como o primeiro muitas vezes mostra-se insuficiente, impõe-se um recurso ao segundo. Por conseguinte, a um príncipe é necessário saber valer-se dos seus atributos de animal e de homem.
[...] E pois que um príncipe precisa saber realmente valer-se da sua natureza animal, convém que tome como modelos a raposa e o leão; posto que a raposa mostre-se indefesa contra os lobos e o leão contra as armadilhas do homem, o príncipe proverá às suas carências com aquela conhecendo as armadilhas do homem e com este espavorindo os lobos. Com efeito aqueles que agem unicamente como leões revelam a sua inabilidade. Portanto, não pode nem deve um soberano prudente cumprir as suas promessas quando um tal cumprimento ameaça voltar-se contra ele e quando se diluem as próprias razões que o levaram a prometer. Se os homens fossem todos bons, bom não seria o preceito; mas, visto que eles são pérfidos e que, em teu favor, tampouco honrariam a sua palavra, tu não tens de sertir-te no dever de, em seu favor, honrar a tua. Aliás, razões jamais faltam a um príncipe para fundamentar o descumprimento das suas promessas.
[...] A um príncipe, portanto, não é necessário que de fato possua todas as sobreditas qualidades, é necessário, porém, e muito, que ele pareça possuí-las. Antes, ouso dizer que, possuindo-as e praticando-as sempre, elas redundam em prejuízo para si, ao passo que, simplesmente dando a impressão de possuí-las, as mesmas mostram toda a sua utilidade. Da mesma forma, tu, conquanto aparentes ser o que és – piedoso, fiel, humano, íntegro e religioso –, deves estar preparado e apto para, em caso de necessidade, demudar-te no teu contrário.
[...] Ademais, das ações de qualquer homem e mormente das ações de um príncipe (nenhum tribunal sendo competente para julgá-lo) consideramos simplesmente os seus resultados. Em sendo assim, o príncipe deve fazer por onde alcançar e sustentar o seu poder: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos elogiados, e isto porque apenas às suas aparências e às suas consequências ater-se-á o vulgo, este vulgo cuja presença é predominante no mundo.
Bem, Maquiavel propõe que o poder político está envolto em lutas e tensões entre os grupos sociais, que seriam, basicamente, os poderosos e o povo. Partindo do pressuposto que a política sempre foi e sempre será assim, é mera ilusão buscar o bem comum para todos. Basta alcançar e manter o poder.
Também vale a pena ressaltar que, para Maquiavel, há dois tipos de virtude: a virtú do tirano e a virtú do homem político. O Príncipe deveria cometer seus crimes com a virtude do homem político. Cuidando para aparentar ser virtuoso no sentido convencional (piedoso, caridoso, etc.) e buscando ser amado e temido. Contudo, quando não for possível ser amado e temido simultaneamente, é melhor ser temido que amado.

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