1 Metafísica
Metafísica é um termo que se origina
da expressão grega tà metà physiká,
que fazia referência às obras de Aristóteles escritas depois da Física, obra na qual o filósofo trata
sobre a natureza. Posteriormente, já na Idade Média, o termo metaphysiká passou a designar a ciência
sobre as causas primeiras (filosofia primeira) que Aristóteles faz referência
em uma de suas obras. Meta significa “para
além”, que sugere a ideia de coisas que estão para além da física, portanto,
que as transcende.
Enquanto ramo do conhecimento, a metafísica é a ciência do ser enquanto
ser. Em outras palavras, é a ciência que busca a essencialidade das coisas.
Tal ciência, no entanto, engloba questões ontológicas, cosmológicas, teológicas
e cosmológicas. Para dar maior ênfase ao estudo específico do ser, criou-se o
termo ontologia (onto = ser; logia = estudo).
1.1 Metafísica platônica
As discussões metafísicas surgem pela
primeira vez com os filósofos pré-socráticos enquanto uma cosmologia, uma vez
que buscava explicar a origem de todas as coisas, mas adquire destaque com a
divergência entre Heráclito, que dizia que “tudo flui” (panta rhei), o que impossibilita o conhecimento do mundo físico,
uma vez que todas as coisas estão em constante mudança; e Parmênides, que dizia
que o ser é imóvel, pois o movimento implica o vazio, que implica o não ser, o
que soa contraditório, pois não se pode passar do “ser” para o “não ser” e vice
versa. Para Parmênides, os sentidos nos enganam.
No que diz respeito a essa
problemática, Platão cria uma via alternativa que acabou sendo a primeira
grande teoria metafísica: a teoria das
formas platônicas.
Platão propôs a existência de dois
mundos:
O mundo
sensível: que corresponde ao mundo conhecido pelos sentidos, que seria o
mundo em constante mudança de Heráclito, acessado pelos sentidos.
O mundo
inteligível: onde estão as formas eternas, perfeitas e imutáveis; ou seja,
o mundo imóvel de Parmênides, que só pode ser acessado por intermédio da razão.
No mundo inteligível é onde se
encontra a realidade, que, no caso,
são as formas. O mundo sensível nada
mais é do que uma cópia imperfeita do
mundo inteligível, estando, inclusive, está sujeito à corrupção. Platão, no
livro VII de A república conta uma
alegoria que tem a finalidade de descrever o processo que todo homem deve
passar para chegar ao conhecimento verdadeiro. Essa alegoria ficou conhecida
como Alegoria da caverna.
Em linhas gerais, a alegoria da
caverna consiste em uma narração na qual se tem uma caverna caracterizada da
seguinte maneira: i) após a entrada, temos uma fogueira; ii) após a fogueira,
temos um muro; iii) entre o muro e o funda da caverna, temos escravos amarrados
de tal forma que só conseguem mover o pescoço; iv) entre a fogueira e o muro
passam pessoas transportando objetos de barro, de modo que a fogueira projeta
suas sombras no fundo da caverna. Desse modo, tudo que os escravos veem são as
sombras no fundo da caverna, que os leva a acreditar que são a verdadeira
realidade. Platão sugere que, uma vez solto, um desses escravos sentiria dor ao
fazer os primeiros movimentos corporais para sair da caverna e sentiria dor nos
olhos ao contemplar pela primeira vez a luz do sol; mas, após se acostumar
poderia enxergar a realidade como ela é. Esse processo é doloroso, mas é o
único capaz de conduzir a verdade. Na alegoria, Platão ainda diz que, se tal
escravo voltasse para a caverna, certamente os escravos remanescentes não
acreditariam no que ele diz e o chamariam de louco.
Outra coisa que deve ser pontuada e
que essa teoria proposta por Platão – que indicava a existência de um tipo de ser não-físico, uma realidade suprassensível – ficou
conhecida como a segunda navegação.
Por que segunda navegação? A Grécia se situava na costa do mar e seu comércio
era marítimo. Platão fazia referência justamente às navegações gregas. A
primeira navegação, no sentido literal, é a navegação que se faz com ajuda dos
ventos. No sentido metafórico empregado por Platão, entretanto, era a tentativa
dos primeiros filósofos, os naturalistas, que buscaram respostas apenas no
mundo físico. A segunda navegação, no sentido literal, é a navegação que se faz
com o auxílio dos remos, uma vez que o vento cessou. No sentido metafórico de
Platão, era a tentativa do próprio filósofo de resolver os problemas recorrendo
a uma realidade suprasensível, o mundo inteligível, acessada pela razão.
1.2 Metafísica
aristotélica
Aristóteles, discípulo de Platão,
dentre seus escritos, escreveu uma obra extensa que posteriormente foi
denominada de Metafísica. Nessa obra,
Aristóteles aponta que a metafísica (que ele chamava de filosofia primeira) era
a ciência que investiga: i) as
causas e princípios primeiros ou supremos; ii) o ser enquanto ser; iii) a
substância; e iv) Deus e a substância supra sensível. Além disso, Aristóteles
se preocupa em apontar a inutilidade e superioridade da metafísica: “Todas as
outras ciências podem ser mais necessárias ao homem, mas superior a esta
nenhuma”.
Como investigação ou busca das causas e princípios primeiros,
Aristóteles aponta as suas famosas quatro causas:
Formal: indica a forma que uma determinada
coisa possui;
Material: indica a matéria da qual determinada
coisa é feita;
Eficiente: indica quem o que fez determinada
coisa;
Final: indica a finalidade a qual foi feita
determinada coisa.
Por exemplo, uma cadeira totalmente
feita de madeira possui como causa formal a sua forma de cadeira; como causa
material, a madeira; como causa eficiente, o carpinteiro que a fabricou; e como
causa final, a serventia de alguém poder repousar sobre ela.
No referente ao estudo do ser enquanto ser, Aristóteles afirma que
este pode ser dito de várias formas, possuindo, portanto, múltiplos
significados. Contudo Aristóteles não cai em uma pura homonímia, pois cada
significado particular do ser faz referência comum a uma unidade, que é a
substância estrutural. Disso se segue que o ser é substância. O fílósofo
distingue os significados do ser, entretanto, em quatro partes: i) o ser como
categorias; ii) o ser como ato e potência; iii) o ser como acidente; e iv) o
ser como verdadeiro.
Enquanto categorias, o ser segue a seguinte organização: i) substância ou
essência; ii) qualidade; iii) quantidade; iv) relação; v) ação ou agir; vi) paixão ou sofrer; vii) onde ou lugar;
viii) quando ou tempo; ix) ter; e x) jazer. A primeira categoria, entretanto, é
a única quem substância autônoma, as outras são dependestes desta.
Enquanto ato e potência, dizemos que uma determinada substância é ser
enquanto ato quando já é algo concretizado. Por exemplo, alguém de olhos
abertos é vidente em ato. Além disso, dizemos que uma determinada substância é
ser enquanto potência quando ela tem em si o potencial ou a possibilidade de se
concretizar. Por exemplo, alguém saudável de olhos fechados é vidente em
potência.
Enquanto ser acidental, dizemos que uma substância pode apresentar certos
tipos de ser casualmente, não sendo necessários. Por exemplo, que um triângulo
têm três lados é algo necessário, mas que seus lados tenham seis, oito e nove
centímetros e acidental.
Enquanto verdadeiro, dizemos que a mente humana pode conjugar ou separar as
coisas como ela estão na realidade. Como isso não ocorre, temos o fenômeno do
falso.
A metafísica, entretanto, se ocupará
do ser nos dois primeiros sentidos, pois não se pode fazer ciência do fortuito,
do casual, e o ser enquanto verdadeiro é objeto de estudo da lógica.
1.3 Metafísica no
período medieval
Na Idade média, a discussão filosófica
centra-se na tentativa de conciliar a fé
e a razão. Geralmente, enfatizam-se duas grandes escolas desse período: a
Patrística, com destaque para Santo Agostinho; e a Escolástica, com destaque
para Tomás de Aquino.
Para santo Agostinho, a fé e a razão não são opostas, mas
complementares. A fé não substitui a inteligência, mas a estimula. A
inteligência não elimina a fé, mas a clarifica. Daí surge o mote agostiniano de
que primeiro se crer para depois saber.
Agostinho, não obstante, se preocupa
não com o mundo exterior ao homem, mas como o seu mundo interior. Em relação a isso, o filósofo cristão defendia que
o nosso corpo é passivo no processo do
conhecimento e a nossa alma é ativa. Disso se segue que o corpo oferece
apenas as sensações, mas é a alma que os classifica e organiza. Mas de onde a
alma tira os critérios para isso? Existe uma verdade que ilumina a nossa alma.
Essa verdade nada mais é do que o intelecto divino, que regula inclusive o
nosso próprio intelecto. O intelecto divino nos revela a verdade das coisas.
Essa teoria ficou conhecida como a teoria da iluminação. Não obstante, para
obter essa revelação em um nível cada vez mais elevado, a alma deveria estar
cada vez mais pura. Como os cristãos buscavam a purificação da alma, a verdade
que os demais homens buscam pela razão pode ser obtida pela revelação divina.
Assim, pela fé o homem conhece verdade e pela razão o homem entende a verdade
revelada.
Agostinho também se preocupou, dentre
outros problemas, em resolver de forma brilhante os seguintes questionamentos:
i) o que Deus fazia antes de criar o mundo?; e ii) se Deus criou o mundo e Deus
é bom, por que existe o mal? A primeira destas questões, Agostinho responde
esclarecendo a distinção entre tempo e eternidade. Deus não é temporal, é
eterno. Nós somos temporais, pois estamos sujeitos ao tempo.
A questão em si pressupõe a ideia de
tempo, mas não pode fazer uma pergunta que pressuponha a existência do tempo,
pois este passa a existir somente quando Deus o cria. Desta forma, Agostinho
mostra que a pergunta é equívoca e não deve ser formulada.
Para responder a segunda questão,
Agostinho divide o mal em três tipos; o mal metafísico-ontológico, o moral e o
físico. O primeiro tipo de mal não existe de fato, pois não há mal no cosmos, o
que ocorre são apenas graus inferiores de ser em relação a Deus. O segundo tipo
de mal (moral) é justamente o pecado. Esse mal é resultado, entretanto da
incapacidade que o homem adquiriu, devido ao pecado original de se voltar para
o bem. A natureza humana, ao se afastar de Deus, acaba produzindo o mal, uma
vez que há o livre arbítrio da vontade. O mal do terceiro tipo, o mal físico, é
produto do mal moral. A alma pecadora torna a carne corruptível e não o oposto.
O mal físico, portanto, nada mais é do que corrupção provocada pelo pecado
originário.
Santo Tomás de Aquino convergia com
Agostinho que fé e razão não são excludentes, mas algo que muda é que ele vive
em um período em que se crê que a harmonia entre ambas pode ser obtida apenas
parcialmente. Santo Tomás, por sua vez, dentre outros problemas, ficou muito
conhecido por suas provas sobre a
existência de Deus. Vejamos suas vias:
O
primeiro motor: tudo
que se move é movido por outro ser. Esse outro ser também é movido por outro,
que é movido por outro e assim sucessivamente. É necessário, entretanto, que
haja um primeiro motor imóvel (no sentido de não ser movido por nada) para que
esse processo não continue de forma indefinida. Esse primeiro motor imóvel é
Deus.
A
causa eficiente:
todas as coisas que existem não possuem a se causa eficiente em si mesmas.
Assim, devem ser consideradas como efeito de outra causa. Como não é concebível
que essa cadeia se mantenha indefinidamente, deve haver uma primeira causa
eficiente, uma causa não causada. Essa causa é Deus.
Ser
necessário e ser contingente:
se todo ser contingente que existe pode deixar de existir, então todas as
coisas que existem podem deixar de ser, o que implica que em algum momento nada
existiu. Mas isso é inconcebível, pois algo que não existe só pode vir a
existir a partir de algo que existe. Logo, necessariamente, há um ser que
sempre existiu. Esse ser é Deus.
Os
graus de perfeição:
em relação à qualidade das coisas existentes, afirma-se que umas são mais ou
menos belas ou mais ou menos boas que outras e etc. Ora, se existe mais ou
menos em relação às qualidades, deve existir um ser com o nível máximo de
perfeição, que seja completamente bom, belo e etc. Esse ser é Deus.
A
finalidade do ser:
todas as coisas sem inteligência própria existentes na natureza cumprem uma
função, um objetivo, uma finalidade. Assim, como uma flecha na mão do arqueiro,
deve existir um ser inteligente que dirige as coisas da natureza para cumprir
seu objetivo. Esse ser é Deus.
1.4 Abando da
metafísica?
Mesmo no período medieval, já existia
tentativas de se eliminar a metafísica. Dentre elas podemos destacar a famosa “navalha
de Ockham”: não atribuir causas desnecessárias para explicar um fenômeno. Mas
data-se da contemporaneidade as tentativas mais agudas, bem como um aparente
consenso de que é necessário eliminar a metafísica. Os principais filósofos que
e propuseram publicamente a desenvolver essa tarefa foram Nietzsche e
Heidegger. Entretanto há críticas à metafísica também no materialismo e na
filosofia analítica, por exemplo.
Atualmente, não se costuma recorrer a
teorias metafísicas, como a teoria das formas platônica ou a teoria da
iluminação, para resolver problemas filosóficos. Contudo a metafísica continua
viva em discussões relacionadas à filosofia da mente e filosofia da religião,
sobretudo acerca dos argumentos atuais a favor da existência de Deus.
Só por curiosidade, em filosofia da
mente, temos a problemática atual em saber se é possível reduzir a consciência
a processos meramente físicos; em relação à filosofia da religião temos
tentativas de filósofos cristãos, com Alvin Plantinga, de provar, com
argumentos válidos e corretos, que a fé cristã não é irracional, como afirma a
maioria dos cientistas.