quarta-feira, 26 de julho de 2017

METAFÍSICA


1 Metafísica

Metafísica é um termo que se origina da expressão grega tà metà physiká, que fazia referência às obras de Aristóteles escritas depois da Física, obra na qual o filósofo trata sobre a natureza. Posteriormente, já na Idade Média, o termo metaphysiká passou a designar a ciência sobre as causas primeiras (filosofia primeira) que Aristóteles faz referência em uma de suas obras. Meta significa “para além”, que sugere a ideia de coisas que estão para além da física, portanto, que as transcende.
Enquanto ramo do conhecimento, a metafísica é a ciência do ser enquanto ser. Em outras palavras, é a ciência que busca a essencialidade das coisas. Tal ciência, no entanto, engloba questões ontológicas, cosmológicas, teológicas e cosmológicas. Para dar maior ênfase ao estudo específico do ser, criou-se o termo ontologia (onto = ser; logia = estudo).

1.1 Metafísica platônica

As discussões metafísicas surgem pela primeira vez com os filósofos pré-socráticos enquanto uma cosmologia, uma vez que buscava explicar a origem de todas as coisas, mas adquire destaque com a divergência entre Heráclito, que dizia que “tudo flui” (panta rhei), o que impossibilita o conhecimento do mundo físico, uma vez que todas as coisas estão em constante mudança; e Parmênides, que dizia que o ser é imóvel, pois o movimento implica o vazio, que implica o não ser, o que soa contraditório, pois não se pode passar do “ser” para o “não ser” e vice versa. Para Parmênides, os sentidos nos enganam.
No que diz respeito a essa problemática, Platão cria uma via alternativa que acabou sendo a primeira grande teoria metafísica: a teoria das formas platônicas.
Platão propôs a existência de dois mundos:
O mundo sensível: que corresponde ao mundo conhecido pelos sentidos, que seria o mundo em constante mudança de Heráclito, acessado pelos sentidos.
O mundo inteligível: onde estão as formas eternas, perfeitas e imutáveis; ou seja, o mundo imóvel de Parmênides, que só pode ser acessado por intermédio da razão.
No mundo inteligível é onde se encontra a realidade, que, no caso, são as formas. O mundo sensível nada mais é do que uma cópia imperfeita do mundo inteligível, estando, inclusive, está sujeito à corrupção. Platão, no livro VII de A república conta uma alegoria que tem a finalidade de descrever o processo que todo homem deve passar para chegar ao conhecimento verdadeiro. Essa alegoria ficou conhecida como Alegoria da caverna.
Em linhas gerais, a alegoria da caverna consiste em uma narração na qual se tem uma caverna caracterizada da seguinte maneira: i) após a entrada, temos uma fogueira; ii) após a fogueira, temos um muro; iii) entre o muro e o funda da caverna, temos escravos amarrados de tal forma que só conseguem mover o pescoço; iv) entre a fogueira e o muro passam pessoas transportando objetos de barro, de modo que a fogueira projeta suas sombras no fundo da caverna. Desse modo, tudo que os escravos veem são as sombras no fundo da caverna, que os leva a acreditar que são a verdadeira realidade. Platão sugere que, uma vez solto, um desses escravos sentiria dor ao fazer os primeiros movimentos corporais para sair da caverna e sentiria dor nos olhos ao contemplar pela primeira vez a luz do sol; mas, após se acostumar poderia enxergar a realidade como ela é. Esse processo é doloroso, mas é o único capaz de conduzir a verdade. Na alegoria, Platão ainda diz que, se tal escravo voltasse para a caverna, certamente os escravos remanescentes não acreditariam no que ele diz e o chamariam de louco.
Outra coisa que deve ser pontuada e que essa teoria proposta por Platão – que indicava a existência de um tipo de ser não-físico, uma realidade suprassensível – ficou conhecida como a segunda navegação. Por que segunda navegação? A Grécia se situava na costa do mar e seu comércio era marítimo. Platão fazia referência justamente às navegações gregas. A primeira navegação, no sentido literal, é a navegação que se faz com ajuda dos ventos. No sentido metafórico empregado por Platão, entretanto, era a tentativa dos primeiros filósofos, os naturalistas, que buscaram respostas apenas no mundo físico. A segunda navegação, no sentido literal, é a navegação que se faz com o auxílio dos remos, uma vez que o vento cessou. No sentido metafórico de Platão, era a tentativa do próprio filósofo de resolver os problemas recorrendo a uma realidade suprasensível, o mundo inteligível, acessada pela razão.

1.2 Metafísica aristotélica

Aristóteles, discípulo de Platão, dentre seus escritos, escreveu uma obra extensa que posteriormente foi denominada de Metafísica. Nessa obra, Aristóteles aponta que a metafísica (que ele chamava de filosofia primeira) era a ciência que investiga: i) as causas e princípios primeiros ou supremos; ii) o ser enquanto ser; iii) a substância; e iv) Deus e a substância supra sensível. Além disso, Aristóteles se preocupa em apontar a inutilidade e superioridade da metafísica: “Todas as outras ciências podem ser mais necessárias ao homem, mas superior a esta nenhuma”.
Como investigação ou busca das causas e princípios primeiros, Aristóteles aponta as suas famosas quatro causas:
Formal: indica a forma que uma determinada coisa possui;
Material: indica a matéria da qual determinada coisa é feita;
Eficiente: indica quem o que fez determinada coisa;
Final: indica a finalidade a qual foi feita determinada coisa.
Por exemplo, uma cadeira totalmente feita de madeira possui como causa formal a sua forma de cadeira; como causa material, a madeira; como causa eficiente, o carpinteiro que a fabricou; e como causa final, a serventia de alguém poder repousar sobre ela.
No referente ao estudo do ser enquanto ser, Aristóteles afirma que este pode ser dito de várias formas, possuindo, portanto, múltiplos significados. Contudo Aristóteles não cai em uma pura homonímia, pois cada significado particular do ser faz referência comum a uma unidade, que é a substância estrutural. Disso se segue que o ser é substância. O fílósofo distingue os significados do ser, entretanto, em quatro partes: i) o ser como categorias; ii) o ser como ato e potência; iii) o ser como acidente; e iv) o ser como verdadeiro.
Enquanto categorias, o ser segue a seguinte organização: i) substância ou essência; ii) qualidade; iii) quantidade; iv) relação; v) ação ou agir;  vi) paixão ou sofrer; vii) onde ou lugar; viii) quando ou tempo; ix) ter; e x) jazer. A primeira categoria, entretanto, é a única quem substância autônoma, as outras são dependestes desta.
Enquanto ato e potência, dizemos que uma determinada substância é ser enquanto ato quando já é algo concretizado. Por exemplo, alguém de olhos abertos é vidente em ato. Além disso, dizemos que uma determinada substância é ser enquanto potência quando ela tem em si o potencial ou a possibilidade de se concretizar. Por exemplo, alguém saudável de olhos fechados é vidente em potência.
Enquanto ser acidental, dizemos que uma substância pode apresentar certos tipos de ser casualmente, não sendo necessários. Por exemplo, que um triângulo têm três lados é algo necessário, mas que seus lados tenham seis, oito e nove centímetros e acidental.
Enquanto verdadeiro, dizemos que a mente humana pode conjugar ou separar as coisas como ela estão na realidade. Como isso não ocorre, temos o fenômeno do falso.
A metafísica, entretanto, se ocupará do ser nos dois primeiros sentidos, pois não se pode fazer ciência do fortuito, do casual, e o ser enquanto verdadeiro é objeto de estudo da lógica.

1.3 Metafísica no período medieval

Na Idade média, a discussão filosófica centra-se na tentativa de conciliar a fé e a razão. Geralmente, enfatizam-se duas grandes escolas desse período: a Patrística, com destaque para Santo Agostinho; e a Escolástica, com destaque para Tomás de Aquino.
Para santo Agostinho, a fé e a razão não são opostas, mas complementares. A fé não substitui a inteligência, mas a estimula. A inteligência não elimina a fé, mas a clarifica. Daí surge o mote agostiniano de que primeiro se crer para depois saber.
Agostinho, não obstante, se preocupa não com o mundo exterior ao homem, mas como o seu mundo interior. Em relação a isso, o filósofo cristão defendia que o nosso corpo é passivo no processo do conhecimento e a nossa alma é ativa. Disso se segue que o corpo oferece apenas as sensações, mas é a alma que os classifica e organiza. Mas de onde a alma tira os critérios para isso? Existe uma verdade que ilumina a nossa alma. Essa verdade nada mais é do que o intelecto divino, que regula inclusive o nosso próprio intelecto. O intelecto divino nos revela a verdade das coisas. Essa teoria ficou conhecida como a teoria da iluminação. Não obstante, para obter essa revelação em um nível cada vez mais elevado, a alma deveria estar cada vez mais pura. Como os cristãos buscavam a purificação da alma, a verdade que os demais homens buscam pela razão pode ser obtida pela revelação divina. Assim, pela fé o homem conhece verdade e pela razão o homem entende a verdade revelada.
Agostinho também se preocupou, dentre outros problemas, em resolver de forma brilhante os seguintes questionamentos: i) o que Deus fazia antes de criar o mundo?; e ii) se Deus criou o mundo e Deus é bom, por que existe o mal? A primeira destas questões, Agostinho responde esclarecendo a distinção entre tempo e eternidade. Deus não é temporal, é eterno. Nós somos temporais, pois estamos sujeitos ao tempo.
A questão em si pressupõe a ideia de tempo, mas não pode fazer uma pergunta que pressuponha a existência do tempo, pois este passa a existir somente quando Deus o cria. Desta forma, Agostinho mostra que a pergunta é equívoca e não deve ser formulada.
Para responder a segunda questão, Agostinho divide o mal em três tipos; o mal metafísico-ontológico, o moral e o físico. O primeiro tipo de mal não existe de fato, pois não há mal no cosmos, o que ocorre são apenas graus inferiores de ser em relação a Deus. O segundo tipo de mal (moral) é justamente o pecado. Esse mal é resultado, entretanto da incapacidade que o homem adquiriu, devido ao pecado original de se voltar para o bem. A natureza humana, ao se afastar de Deus, acaba produzindo o mal, uma vez que há o livre arbítrio da vontade. O mal do terceiro tipo, o mal físico, é produto do mal moral. A alma pecadora torna a carne corruptível e não o oposto. O mal físico, portanto, nada mais é do que corrupção provocada pelo pecado originário.
Santo Tomás de Aquino convergia com Agostinho que fé e razão não são excludentes, mas algo que muda é que ele vive em um período em que se crê que a harmonia entre ambas pode ser obtida apenas parcialmente. Santo Tomás, por sua vez, dentre outros problemas, ficou muito conhecido por suas provas sobre a existência de Deus. Vejamos suas vias:
O primeiro motor: tudo que se move é movido por outro ser. Esse outro ser também é movido por outro, que é movido por outro e assim sucessivamente. É necessário, entretanto, que haja um primeiro motor imóvel (no sentido de não ser movido por nada) para que esse processo não continue de forma indefinida. Esse primeiro motor imóvel é Deus.
A causa eficiente: todas as coisas que existem não possuem a se causa eficiente em si mesmas. Assim, devem ser consideradas como efeito de outra causa. Como não é concebível que essa cadeia se mantenha indefinidamente, deve haver uma primeira causa eficiente, uma causa não causada. Essa causa é Deus.
Ser necessário e ser contingente: se todo ser contingente que existe pode deixar de existir, então todas as coisas que existem podem deixar de ser, o que implica que em algum momento nada existiu. Mas isso é inconcebível, pois algo que não existe só pode vir a existir a partir de algo que existe. Logo, necessariamente, há um ser que sempre existiu. Esse ser é Deus.
Os graus de perfeição: em relação à qualidade das coisas existentes, afirma-se que umas são mais ou menos belas ou mais ou menos boas que outras e etc. Ora, se existe mais ou menos em relação às qualidades, deve existir um ser com o nível máximo de perfeição, que seja completamente bom, belo e etc. Esse ser é Deus.
A finalidade do ser: todas as coisas sem inteligência própria existentes na natureza cumprem uma função, um objetivo, uma finalidade. Assim, como uma flecha na mão do arqueiro, deve existir um ser inteligente que dirige as coisas da natureza para cumprir seu objetivo. Esse ser é Deus.

1.4 Abando da metafísica?

Mesmo no período medieval, já existia tentativas de se eliminar a metafísica. Dentre elas podemos destacar a famosa “navalha de Ockham”: não atribuir causas desnecessárias para explicar um fenômeno. Mas data-se da contemporaneidade as tentativas mais agudas, bem como um aparente consenso de que é necessário eliminar a metafísica. Os principais filósofos que e propuseram publicamente a desenvolver essa tarefa foram Nietzsche e Heidegger. Entretanto há críticas à metafísica também no materialismo e na filosofia analítica, por exemplo.
Atualmente, não se costuma recorrer a teorias metafísicas, como a teoria das formas platônica ou a teoria da iluminação, para resolver problemas filosóficos. Contudo a metafísica continua viva em discussões relacionadas à filosofia da mente e filosofia da religião, sobretudo acerca dos argumentos atuais a favor da existência de Deus.

Só por curiosidade, em filosofia da mente, temos a problemática atual em saber se é possível reduzir a consciência a processos meramente físicos; em relação à filosofia da religião temos tentativas de filósofos cristãos, com Alvin Plantinga, de provar, com argumentos válidos e corretos, que a fé cristã não é irracional, como afirma a maioria dos cientistas.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

EPISTEMOLOGIA

1 Epistemologia

Epistemologia ou Teoria do Conhecimento é o ramo da Filosofia que investiga sobre a problemática do conhecimento. As questões que interessam ao filósofo nesse campo são do tipo: “o que é o conhecimento?”; “quais as origens do conhecimento?”; “quais as possibilidades do conhecimento?” e outras questões congêneres.

1.1 Conhecimento   

Na história da filosofia, ficam evidentes as partes envolvidas no processo do conhecimento, quais sejam: o objeto que é conhecido e o sujeito que o conhece. O objeto do conhecimento nada mais é do que a realidade e o sujeito do conhecimento somos nós, seres humanos. Consideremos as linhas a seguir.
Todas as pessoas do mundo julgam saber alguma coisa, tais como que estão acordadas, que tem dois irmãos, que estão vivas e que João vende sorvete aos domingos. Algo que nos questionamos, entretanto, é: como podemos afirmar que sabemos alguma coisa. O que é condição necessária e suficiente para o conhecimento?
Podemos dizer que conhecimento é uma crença. Mas se eu digo que Napoleão Bonaparte está na minha casa ninguém acreditará. Então eu respondo: Mas eu acredito! Entretanto não consigo imaginar que alguém considere isso verdadeiro simplesmente pelo fato de eu acreditar. Se, por outro lado, eu digo que não existem baleias no oceano, as pessoas também não me darão credibilidade, ainda que eu de fato acredite. Ou seja, parece que a minha crença não torna uma coisa verdadeira nem falsa, o que significa que é insuficiente para dizer que alguém conhece algo.
Mas podemos dizer que conhecimento é crença verdadeira. Nesse caso, proponho a pensarmos numa aposta entre Juca e Antônio. Ambos apostaram entre si cinco palhetas de guitarra, onde, se o Cruzeiro fosse campeão brasileiro de 2014, Juca ganharia a aposta, caso contrário Antônio seria o vencedor. Lembrando que a aposta acontece antes mesmo do campeonato começar. Ao término do campeonato Juca sai vencedor e diz: “Há há há! Eu sabia!”
Será que de fato Juca sabia disso? Ele pode dizer que acreditava que o Cruzeiro seria o campeão, tanto que apostou, mas isso é suficiente para afirmar que ele tinha o conhecimento?
Tudo indica que crença verdadeira não é condição suficiente para fundar o conhecimento. É necessário algo mais.
Então sugerimos que conhecimento seja crença justificada. Nesse caso, pensemos agora no irmão gêmeo, e idêntico, de João que Juca e Antônio não conhecem. É que João mora com a avó, enquanto seu irmão vive com os pais. Juca e Antônio observam de longe o irmão gêmeo de João vendendo sorvete no centro da cidade por três domingos seguidos, o que os leva a acreditar que João vende sorvete aos domingos.
Nesse caso, temos indivíduos que têm uma crença e tem uma justificativa, pois ver com os próprios olhos consiste numa boa justificativa. Entretanto a crença é falsa.
A conclusão disso tudo é que o conhecimento não pode ser meramente crença, nem crença verdadeira, nem crença justificada. O conhecimento é crença, que deve ser verdadeira e ter uma justificação. Então, conhecimento é crença verdadeira e justificada.

1.2 Fontes do conhecimento

Uma das questões fundamentais da teoria do conhecimento pode ser formulada da seguinte forma: onde se origina o conhecimento? Ou ainda: qual a fonte de todo o conhecimento.
Na tentativa de responder a estas questões, diversos filósofos divergiram entre si, mas se tem algo que se pode dizer com clareza é que todos consideram dois aspectos fundamentais: a razão e a sensação.
Aqueles que afirmam que a razão é a fonte de todo conhecimento seguro geralmente são guiados pela ideia de que as sensações, os sentidos, por vezes podem enganar. Por exemplo, poderia argumentar, contra alguém que defende que a fonte do conhecimento é a sensação, dizendo que vemos (portanto percebemos) o sol de um determinado tamanho, mas sabemos, porque usamos a razão, que ele é muito maior do que parece. Não obstante, esse alguém pode contra-argumentar dizendo que eu sei disso porque, ao observar coisas a diferentes distâncias, percebo que quanto mais longe elas estão menores parecem. No fim das contas, a fonte ainda continua sendo a sensação.
Durante muito tempo esse foi um impasse entre os filósofos, sensação ou razão. Nessas condições, de onde provém o conhecimento?

1.3 Racionalismo

Racionalismo é a corrente filosófica que afirma que a razão é a única fonte segura para o conhecimento. O principal expoente do racionalismo é o filósofo francês René Descartes, o qual defendia que não se pode aceitar nenhuma proposição ou ideia como verdadeira a menos que seja clara, distinta, evidente por si mesma.
Para chegar à primeira verdade indubitável, Descartes usa quatro regras básicas:
A evidência: não aceitar algo como verdadeiro a menos que se mostre evidente;
A análise: dividir os problemas em partes simples para uma melhor resolução;
A síntese: concluir os pensamentos na ordem dos mais simples e fáceis para os mais complexos e difíceis;
E o desmembramento: enumerar as informações de forma exata e sem omissões.
Do uso dessas regras, Descartes chega à sua famosa máxima: “penso, logo existo”, que é conclusão de alguns argumentos: a falibilidade dos sentidos, o argumento do sonho e o gênio maligno. Vejamos como ele chegou a essa conclusão.
[...] Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, que não havia nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns; não me persuadi também, portanto, de que eu não existia? Certamente não, eu existia sem dúvida, se é que eu me persuadi, ou, apenas, pensei alguma coisa. Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganar-me sempre. Não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer com que eu nada seja enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado bastante nisto e ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou a concebo em meu espírito.
Assim, Descartes consegue chegar à primeira ideia ou proposição indubitável: “penso, logo existo”. Concomitantemente, Descartes assume que a ideia de perfeição, infinitude ou eternidade só poderiam ser derivadas de um ser que possuísse tais atributos e que, por isso, fosse bom. Este ser, não obstante, só pode ser Deus, que, sendo bom, não poderá nos enganar jamais. Disso se segue que podemos conhecer o mundo ao nosso redor.

1.4 Empirismo

Corrente filosófica que afirma que o conhecimento, em última instância, deriva da experiência, seja de forma direta ou indireta. Pode-se dizer que dois de seus maiores representantes são John Locke e David Hume.
John Locke defendia que a mente humana é como uma tabula rasa, na qual são impressas as experiências, o que implica na não existência de ideias inatas. O filósofo inglês dividia as ideias em:
Ideias da sensação: que são as ideias que chegam a nossa mente através dos sentidos (cor, temperatura, sabor, etc.);
Ideias da reflexão: que resultam de um processo de combinação e associação das sensações através da atividade da reflexão (perceber, pensar, crer, raciocinar, etc.).
Desse modo, das ideias mais simples, a mente poderia chegar às mais complexas, sempre tendo como ponto de partida as coisas materiais externas. No entanto, Locke não era um empirista radical, pois admitia que o conhecimento matemático não se baseia na experiência, mas em fundamentos lógicos.
David Hume, por seu turno, também defendia que o conhecimento se deriva da experiência, que tudo que ocorre em nossa mente são fruto de percepções. O filósofo escocês dividia as percepções em:
Impressões: que são os dados fornecidos pelos sentidos;
Ideias: que são as representações mentais.
Para Hume, as impressões são mais fortes e claras do que as ideias. Além disso, as ideias são simples, quando apenas reproduzem as impressões sem alterá-las, e compostas, quando combinam as ideias simples. Ex: “cavalo alado”, onde se pega a ideia de “cavalo” e de “asa” e as colocam juntas; e “montanha de ouro”, onde se combinam as ideias simples de “montanha” e “ouro”. Esse processo responsável pela produção das ideias é chamado de associação de ideias.

1.5 Criticismo

Criticismo é a corrente filosófica que defende que nem somente a experiência nem somente a razão podem resolver o problema das fontes do conhecimento. Seu fundador, Immanuel Kant, dizia que o conhecimento tem duas fontes: a sensação e o entendimento (razão), onde a primeira recebe os dados dos sentidos e o segundo os organiza.

Kant ainda assinala que há dois tipos de conhecimento:
Empírico: que se refere aos dados fornecidos pelos sentidos, sendo posterior a experiência (diz-se que é um conhecimento a posteriori).
Puro: que não depende dos dados dos sentidos, sendo anterior a experiência (diz-se que é um conhecimento a priori). Esse tipo de conhecimento apresenta os juízos universais e necessários.

Quanto aos juízos, o filósofo de Konigsberg os classifica em:
Analíticos: aqueles cujo predicado está contido no conceito do sujeito. Ex: “o quadrado tem quatro lados”.
Sintéticos: aqueles cujo predicado não está contido no sujeito. Ex: “os corpos se movimentam”.
Quanto à valoração, os juízos podem ser:
Analítico: quando tem a finalidade de elucidar algo que já se conhece do sujeito. Ex: “Um triângulo tem três lados”.
Sintético a posteriori: quando amplia o conhecimento sobre o sujeito, mas sua validade está condicionada ao tempo e espaço em que se dá a experiência. Ex: “a capa do livro é azul”.
Sintético a priori: quando amplia o conhecimento sobre o sujeito e não está sujeito ao tempo e espaço em que ocorre a experiência. Ex: “a soma dos ângulos internos de um triângulo qualquer equivale a 180 graus”. Para Kant, esse é o tipo de enunciado mais importante para a ciência.
Posto isto, deve-se lembrar de que Kant inverte a ótica que até então prevalecia, que colocava o objeto no centro do processo do conhecimento. Kant coloca o sujeito como centro desse processo, uma vez que as formas a priori do entendimento é que regulavam o conhecimento. Isto ficou conhecido como a nova revolução copernicana.
Para Kant, nós apreendemos os dados dos objetos através da sensibilidade, mas o entendimento determina as condições pelas quais o objeto é pensado. As formas da sensibilidade, não obstante, são o tempo e o espaço.

segunda-feira, 3 de julho de 2017

FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS


1 Problemática

Se você tivesse que encontrar um elemento na natureza que fosse o princípio de tudo, qual seria? Este foi o desafio dos primórdios da Filosofia, com os Pré-socráticos. Vamos ver o que eles encontraram como elemento primordial?

2 Quem são os pré-socráticos

Pré-socráticos são aqueles filósofos que vieram antes de Sócrates. Para ser mais preciso, alguns filósofos conhecidos como pré-socráticos nasceram depois de Sócrates, mas são classificados neste grupo por estarem dentro desta tarefa filosófica, isto é, Sócrates construiu uma Filosofia embasada no próprio Ser Humano enquanto os pré-socráticos embasaram sua Filosofia na Natureza.
Os primeiros filósofos gregos são frequentemente chamados de “filósofos da physis”, palavra de origem grega que significa fazer surgir, fazer brotar, fazer nascer, produzir, isto é, “filósofos da natureza”, porque se interessavam, sobretudo pela natureza e pelos processos naturais.
Eles tinham uma coisa em comum: acreditavam que determinada substância básica, a arché, palavra grega que significa “o que está na frente, à origem, o começo”, estava por de trás de todas as transformações da natureza.
Podemos dizer que os filósofos da natureza deram os primeiros passos na direção de uma forma científica de pensar. Sendo que a maior parte de tudo o que os filósofos disseram e escreveram ficou perdida para a posteridade. E a maior parte do pouco que sabemos está nos escritos de Aristóteles, que viveu duzentos anos depois dos primeiros filósofos.



Vamos ver alguns dos principais pré-socráticos:


Tales de Mileto (624 – 546 a.C.): Para ele, a água por permanecer basicamente a mesma, apesar de assumir diferentes estados - sólido, líquido e gasoso - seria a arché, a substância primordial, a origem de todas as coisas.

Anaximandro (610 – 546 a.C.): Para esse filósofo, o princípio primordial deveria ser algo que transcende os limites da observação, ou seja, não podia ser uma realidade ao alcance dos sentidos, como a água. Por isso, denominou o apeíron, termo grego que significa “o indeterminado”, “o infinito” no tempo.
Ele achava que nosso mundo era apenas um dos muitos mundos que surgem de alguma coisa e se dissolvem nesta alguma coisa que ele chamava de infinito (apeíron). O infinito para Anaximandro é aquilo a partir do qual tudo surge e é completamente diferente do que é criado.

Anaxímenes (585 – 528 a.C.): Para Anaxímenes o ar ou o sopro de ar era a substância básica de todas as coisas. Para ele, a água era o ar condensado (de menos volume). Podemos observar que quando chove, o ar se comprime até virar água. Acreditava ainda que se a água fosse mais comprimida ela se transformaria em terra.

Parmênides (515 – 445 a.C.): Parmênides acreditava que tudo o que existe sempre existiu. Sendo que nada pode surgir do nada e nada que existe pode se transformar em nada. Ele considerava totalmente impossível qualquer transformação real das coisas. Nada pode se transformar em algo diferente do que já é.
A partir da premissa de que algo existe – É –, Parmênides deduziu que esse algo não pode também não existir – NÃO É -, pois isso envolveria uma contradição lógica. Portanto, seria impossível existir um estado do nada- NÃO HAVERIA UM VAZIO. Assim, algo não pode vir do nada: deve sempre ter existido de alguma forma.
É claro que Parmênides sabia que das constantes transformações que ocorrem na natureza. Mas ele não conseguia harmonizar isto com aquilo que sua razão lhe dizia. E quando era forçado a decidir se confiava nos sentidos ou na razão, decidia-se pela razão.
Todos nós conhecemos a frase: “Só acredito vendo”. Mas Parmênides não acreditava nem quando via. Ele dizia que os sentidos nos fornecem uma visão enganosa do mundo; uma visão que não está em conformidade com o que nos diz a razão.

Heráclito (535 – 475 a.C.): “Tudo flui”, dizia Heráclito. Tudo está em movimento e nada dura para sempre. Por esta razão, “não podemos entrar duas vezes no mesmo rio”. Isto porque quando entro pela segunda vez no rio, tanto eu quanto o rio já mudamos.
Heráclito entendia o mundo governado por um logos divino. Às vezes interpretado como “razão” ou “argumento”, considerava o logos uma lei universal, cósmica, de acordo com a qual todas as coisas começam a existir e todos os elementos materiais de universo são mantidos em equilíbrio.
Heráclito também nos chama a atenção para o fato de que o mundo está impregnado por constante opostosdia e noite, quente e frio, por exemplo. Se nunca ficássemos doentes, não saberíamos o que significa saúde.
Tanto o bem quanto o mal são necessário ao todo, dizia Heráclito. Sem a constante interação dos opostos o mundo deixaria de existir.
Empédocles (490 – 430 a.C.): Empédocles acreditava que a natureza possuía ao todo quatro elementos básicos, também chamados “raízes”. Estes quatro elementos era a terra, o ar, o fogo e a água.
Todas as transformações da natureza seriam resultado da combinação desses quatro elementos, que, depois, novamente se separavam um do outro. Pois tudo consiste em terra, ar, fogo e água, só que em diferentes proporções de mistura.
Esses elementos seriam movidos e misturados de diferentes maneiras em função de dois princípios universais opostos:
Amor: responsável pela força de atração e união e pelos movimentos de crescente harmonização das coisas;
Ódio: responsável pela força de repulsão e desagregação e pelo movimento de decadência, dissolução e separação das coisas.

Anaxágoras (500 – 428 a.C.): Anaxágoras achava que a natureza era composta por uma infinidade de partículas minúsculas, invisíveis a olho nu. Tudo pode ser dividido em partes ainda menores, mas mesmo na menor das partes existe um pouco de tudo.
Anaxágoras também imaginou um tipo de força que seria responsável, por assim dizer, pela ordem e pela criação de homens, animais, flores e árvores. A esta força ele deu o nome de inteligência.

Demócrito (460 – 370 a.C.): Afirmou que todas as coisas eram constituídas por uma infinidade de pedrinhas minúsculas, invisíveis, cada uma delas sendo eterna e imutável. A estas unidades mínimas Demócrito Deu o nome de átomos. A palavra átomo significa “indivisível”.
Além disso, as “pedrinhas” constituintes da natureza tinham que ser eternas, pois nada pode surgir do nada. Sendo que essas “pedrinhas”, segundo Demócrito, possuíam formatos diferentes: alguns arredondados e lisos outros irregulares e retorcidos. E por suas formas serem tão irregulares é que eles podiam ser combinados para dar origem aos mais variados corpos.
Demócrito acreditava que a alma era composta por alguns átomos particularmente arredondados e lisos, os “átomos da alma”. Quando uma pessoa morre, os átomos de sua alma espalham-se para todas as direções e podem agregar a outra alma, no mesmo momento em que é formada.

Resumindo: Os filósofos pré-socráticos buscam um elemento primeiro, a arché, isto é, que é o começo de tudo, para explicar a própria natureza, por isso ficaram conhecidos como filósofos da physis, ou seja, filósofos da natureza.