quarta-feira, 26 de julho de 2017

METAFÍSICA


1 Metafísica

Metafísica é um termo que se origina da expressão grega tà metà physiká, que fazia referência às obras de Aristóteles escritas depois da Física, obra na qual o filósofo trata sobre a natureza. Posteriormente, já na Idade Média, o termo metaphysiká passou a designar a ciência sobre as causas primeiras (filosofia primeira) que Aristóteles faz referência em uma de suas obras. Meta significa “para além”, que sugere a ideia de coisas que estão para além da física, portanto, que as transcende.
Enquanto ramo do conhecimento, a metafísica é a ciência do ser enquanto ser. Em outras palavras, é a ciência que busca a essencialidade das coisas. Tal ciência, no entanto, engloba questões ontológicas, cosmológicas, teológicas e cosmológicas. Para dar maior ênfase ao estudo específico do ser, criou-se o termo ontologia (onto = ser; logia = estudo).

1.1 Metafísica platônica

As discussões metafísicas surgem pela primeira vez com os filósofos pré-socráticos enquanto uma cosmologia, uma vez que buscava explicar a origem de todas as coisas, mas adquire destaque com a divergência entre Heráclito, que dizia que “tudo flui” (panta rhei), o que impossibilita o conhecimento do mundo físico, uma vez que todas as coisas estão em constante mudança; e Parmênides, que dizia que o ser é imóvel, pois o movimento implica o vazio, que implica o não ser, o que soa contraditório, pois não se pode passar do “ser” para o “não ser” e vice versa. Para Parmênides, os sentidos nos enganam.
No que diz respeito a essa problemática, Platão cria uma via alternativa que acabou sendo a primeira grande teoria metafísica: a teoria das formas platônicas.
Platão propôs a existência de dois mundos:
O mundo sensível: que corresponde ao mundo conhecido pelos sentidos, que seria o mundo em constante mudança de Heráclito, acessado pelos sentidos.
O mundo inteligível: onde estão as formas eternas, perfeitas e imutáveis; ou seja, o mundo imóvel de Parmênides, que só pode ser acessado por intermédio da razão.
No mundo inteligível é onde se encontra a realidade, que, no caso, são as formas. O mundo sensível nada mais é do que uma cópia imperfeita do mundo inteligível, estando, inclusive, está sujeito à corrupção. Platão, no livro VII de A república conta uma alegoria que tem a finalidade de descrever o processo que todo homem deve passar para chegar ao conhecimento verdadeiro. Essa alegoria ficou conhecida como Alegoria da caverna.
Em linhas gerais, a alegoria da caverna consiste em uma narração na qual se tem uma caverna caracterizada da seguinte maneira: i) após a entrada, temos uma fogueira; ii) após a fogueira, temos um muro; iii) entre o muro e o funda da caverna, temos escravos amarrados de tal forma que só conseguem mover o pescoço; iv) entre a fogueira e o muro passam pessoas transportando objetos de barro, de modo que a fogueira projeta suas sombras no fundo da caverna. Desse modo, tudo que os escravos veem são as sombras no fundo da caverna, que os leva a acreditar que são a verdadeira realidade. Platão sugere que, uma vez solto, um desses escravos sentiria dor ao fazer os primeiros movimentos corporais para sair da caverna e sentiria dor nos olhos ao contemplar pela primeira vez a luz do sol; mas, após se acostumar poderia enxergar a realidade como ela é. Esse processo é doloroso, mas é o único capaz de conduzir a verdade. Na alegoria, Platão ainda diz que, se tal escravo voltasse para a caverna, certamente os escravos remanescentes não acreditariam no que ele diz e o chamariam de louco.
Outra coisa que deve ser pontuada e que essa teoria proposta por Platão – que indicava a existência de um tipo de ser não-físico, uma realidade suprassensível – ficou conhecida como a segunda navegação. Por que segunda navegação? A Grécia se situava na costa do mar e seu comércio era marítimo. Platão fazia referência justamente às navegações gregas. A primeira navegação, no sentido literal, é a navegação que se faz com ajuda dos ventos. No sentido metafórico empregado por Platão, entretanto, era a tentativa dos primeiros filósofos, os naturalistas, que buscaram respostas apenas no mundo físico. A segunda navegação, no sentido literal, é a navegação que se faz com o auxílio dos remos, uma vez que o vento cessou. No sentido metafórico de Platão, era a tentativa do próprio filósofo de resolver os problemas recorrendo a uma realidade suprasensível, o mundo inteligível, acessada pela razão.

1.2 Metafísica aristotélica

Aristóteles, discípulo de Platão, dentre seus escritos, escreveu uma obra extensa que posteriormente foi denominada de Metafísica. Nessa obra, Aristóteles aponta que a metafísica (que ele chamava de filosofia primeira) era a ciência que investiga: i) as causas e princípios primeiros ou supremos; ii) o ser enquanto ser; iii) a substância; e iv) Deus e a substância supra sensível. Além disso, Aristóteles se preocupa em apontar a inutilidade e superioridade da metafísica: “Todas as outras ciências podem ser mais necessárias ao homem, mas superior a esta nenhuma”.
Como investigação ou busca das causas e princípios primeiros, Aristóteles aponta as suas famosas quatro causas:
Formal: indica a forma que uma determinada coisa possui;
Material: indica a matéria da qual determinada coisa é feita;
Eficiente: indica quem o que fez determinada coisa;
Final: indica a finalidade a qual foi feita determinada coisa.
Por exemplo, uma cadeira totalmente feita de madeira possui como causa formal a sua forma de cadeira; como causa material, a madeira; como causa eficiente, o carpinteiro que a fabricou; e como causa final, a serventia de alguém poder repousar sobre ela.
No referente ao estudo do ser enquanto ser, Aristóteles afirma que este pode ser dito de várias formas, possuindo, portanto, múltiplos significados. Contudo Aristóteles não cai em uma pura homonímia, pois cada significado particular do ser faz referência comum a uma unidade, que é a substância estrutural. Disso se segue que o ser é substância. O fílósofo distingue os significados do ser, entretanto, em quatro partes: i) o ser como categorias; ii) o ser como ato e potência; iii) o ser como acidente; e iv) o ser como verdadeiro.
Enquanto categorias, o ser segue a seguinte organização: i) substância ou essência; ii) qualidade; iii) quantidade; iv) relação; v) ação ou agir;  vi) paixão ou sofrer; vii) onde ou lugar; viii) quando ou tempo; ix) ter; e x) jazer. A primeira categoria, entretanto, é a única quem substância autônoma, as outras são dependestes desta.
Enquanto ato e potência, dizemos que uma determinada substância é ser enquanto ato quando já é algo concretizado. Por exemplo, alguém de olhos abertos é vidente em ato. Além disso, dizemos que uma determinada substância é ser enquanto potência quando ela tem em si o potencial ou a possibilidade de se concretizar. Por exemplo, alguém saudável de olhos fechados é vidente em potência.
Enquanto ser acidental, dizemos que uma substância pode apresentar certos tipos de ser casualmente, não sendo necessários. Por exemplo, que um triângulo têm três lados é algo necessário, mas que seus lados tenham seis, oito e nove centímetros e acidental.
Enquanto verdadeiro, dizemos que a mente humana pode conjugar ou separar as coisas como ela estão na realidade. Como isso não ocorre, temos o fenômeno do falso.
A metafísica, entretanto, se ocupará do ser nos dois primeiros sentidos, pois não se pode fazer ciência do fortuito, do casual, e o ser enquanto verdadeiro é objeto de estudo da lógica.

1.3 Metafísica no período medieval

Na Idade média, a discussão filosófica centra-se na tentativa de conciliar a fé e a razão. Geralmente, enfatizam-se duas grandes escolas desse período: a Patrística, com destaque para Santo Agostinho; e a Escolástica, com destaque para Tomás de Aquino.
Para santo Agostinho, a fé e a razão não são opostas, mas complementares. A fé não substitui a inteligência, mas a estimula. A inteligência não elimina a fé, mas a clarifica. Daí surge o mote agostiniano de que primeiro se crer para depois saber.
Agostinho, não obstante, se preocupa não com o mundo exterior ao homem, mas como o seu mundo interior. Em relação a isso, o filósofo cristão defendia que o nosso corpo é passivo no processo do conhecimento e a nossa alma é ativa. Disso se segue que o corpo oferece apenas as sensações, mas é a alma que os classifica e organiza. Mas de onde a alma tira os critérios para isso? Existe uma verdade que ilumina a nossa alma. Essa verdade nada mais é do que o intelecto divino, que regula inclusive o nosso próprio intelecto. O intelecto divino nos revela a verdade das coisas. Essa teoria ficou conhecida como a teoria da iluminação. Não obstante, para obter essa revelação em um nível cada vez mais elevado, a alma deveria estar cada vez mais pura. Como os cristãos buscavam a purificação da alma, a verdade que os demais homens buscam pela razão pode ser obtida pela revelação divina. Assim, pela fé o homem conhece verdade e pela razão o homem entende a verdade revelada.
Agostinho também se preocupou, dentre outros problemas, em resolver de forma brilhante os seguintes questionamentos: i) o que Deus fazia antes de criar o mundo?; e ii) se Deus criou o mundo e Deus é bom, por que existe o mal? A primeira destas questões, Agostinho responde esclarecendo a distinção entre tempo e eternidade. Deus não é temporal, é eterno. Nós somos temporais, pois estamos sujeitos ao tempo.
A questão em si pressupõe a ideia de tempo, mas não pode fazer uma pergunta que pressuponha a existência do tempo, pois este passa a existir somente quando Deus o cria. Desta forma, Agostinho mostra que a pergunta é equívoca e não deve ser formulada.
Para responder a segunda questão, Agostinho divide o mal em três tipos; o mal metafísico-ontológico, o moral e o físico. O primeiro tipo de mal não existe de fato, pois não há mal no cosmos, o que ocorre são apenas graus inferiores de ser em relação a Deus. O segundo tipo de mal (moral) é justamente o pecado. Esse mal é resultado, entretanto da incapacidade que o homem adquiriu, devido ao pecado original de se voltar para o bem. A natureza humana, ao se afastar de Deus, acaba produzindo o mal, uma vez que há o livre arbítrio da vontade. O mal do terceiro tipo, o mal físico, é produto do mal moral. A alma pecadora torna a carne corruptível e não o oposto. O mal físico, portanto, nada mais é do que corrupção provocada pelo pecado originário.
Santo Tomás de Aquino convergia com Agostinho que fé e razão não são excludentes, mas algo que muda é que ele vive em um período em que se crê que a harmonia entre ambas pode ser obtida apenas parcialmente. Santo Tomás, por sua vez, dentre outros problemas, ficou muito conhecido por suas provas sobre a existência de Deus. Vejamos suas vias:
O primeiro motor: tudo que se move é movido por outro ser. Esse outro ser também é movido por outro, que é movido por outro e assim sucessivamente. É necessário, entretanto, que haja um primeiro motor imóvel (no sentido de não ser movido por nada) para que esse processo não continue de forma indefinida. Esse primeiro motor imóvel é Deus.
A causa eficiente: todas as coisas que existem não possuem a se causa eficiente em si mesmas. Assim, devem ser consideradas como efeito de outra causa. Como não é concebível que essa cadeia se mantenha indefinidamente, deve haver uma primeira causa eficiente, uma causa não causada. Essa causa é Deus.
Ser necessário e ser contingente: se todo ser contingente que existe pode deixar de existir, então todas as coisas que existem podem deixar de ser, o que implica que em algum momento nada existiu. Mas isso é inconcebível, pois algo que não existe só pode vir a existir a partir de algo que existe. Logo, necessariamente, há um ser que sempre existiu. Esse ser é Deus.
Os graus de perfeição: em relação à qualidade das coisas existentes, afirma-se que umas são mais ou menos belas ou mais ou menos boas que outras e etc. Ora, se existe mais ou menos em relação às qualidades, deve existir um ser com o nível máximo de perfeição, que seja completamente bom, belo e etc. Esse ser é Deus.
A finalidade do ser: todas as coisas sem inteligência própria existentes na natureza cumprem uma função, um objetivo, uma finalidade. Assim, como uma flecha na mão do arqueiro, deve existir um ser inteligente que dirige as coisas da natureza para cumprir seu objetivo. Esse ser é Deus.

1.4 Abando da metafísica?

Mesmo no período medieval, já existia tentativas de se eliminar a metafísica. Dentre elas podemos destacar a famosa “navalha de Ockham”: não atribuir causas desnecessárias para explicar um fenômeno. Mas data-se da contemporaneidade as tentativas mais agudas, bem como um aparente consenso de que é necessário eliminar a metafísica. Os principais filósofos que e propuseram publicamente a desenvolver essa tarefa foram Nietzsche e Heidegger. Entretanto há críticas à metafísica também no materialismo e na filosofia analítica, por exemplo.
Atualmente, não se costuma recorrer a teorias metafísicas, como a teoria das formas platônica ou a teoria da iluminação, para resolver problemas filosóficos. Contudo a metafísica continua viva em discussões relacionadas à filosofia da mente e filosofia da religião, sobretudo acerca dos argumentos atuais a favor da existência de Deus.

Só por curiosidade, em filosofia da mente, temos a problemática atual em saber se é possível reduzir a consciência a processos meramente físicos; em relação à filosofia da religião temos tentativas de filósofos cristãos, com Alvin Plantinga, de provar, com argumentos válidos e corretos, que a fé cristã não é irracional, como afirma a maioria dos cientistas.

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