José Quitério S. Correia
(kyttoo@live.com)
(Mestrando em Filosofia pela UFAL)
RESUMO:
O
presente e breve trabalho tem por intenção apontar uma crítica wittgesteiniana
a um modelo de significação de linguagem referencialista mentalista. Para isso,
introduz a problemática da significação própria da filosofia da linguagem, e
apresenta como os filósofos Aristóteles e Thomas Hobbes tentaram resolver este
problema, explicar como se dá o processo de significação. Para ambos, salvo
algumas divergências não substanciais para os propósitos deste trabalho, a
imagem mental tem um papel indispensável neste processo. Contudo, as falhas
deste modelo de significação são mostradas posteriormente. Desta forma, após
apresentar a proposta de Wittgenstein para explicar o processo de significação,
que de forma simplista repousa nas regras gramaticais, o trabalho não somente
negará esse papel indispensável que a tradição confere a imagem mental, bem
como afirma que esta não tem nenhuma importância para a produção de
significado.
PALAVRAS-CHAVE: Filosofia da Linguagem –
Significação - Wittgenstein
Introdução
Aristóteles
afirma no primeiro livro de sua metafísica que a filosofia nasce da admiração
dos homens diante das coisas desconhecidas. Desse modo, o homem filosofa
unicamente em busca do saber, para que possa não mais se encontrar no estado de
admiração. Pensando nesta linha, pode-se observar o processo de significação
das palavras. Não é de se admirar como as pessoas pronunciam sons, desenham
símbolos, fazem gestos com as mãos ou outras partes do corpo e conseguem
produzir significação? Muitos filósofos pensaram acerca desta problemática e
apresentaram soluções amplamente variadas ao longo da filosofia
pré-contemporânea. Contudo, há uma característica peculiar nestas soluções que
é o fato de se tratarem de um modelo de significação onde os termos da
linguagem se referem a algo no mundo, tendo como intermediário algo que ocorre
na mente. Seja lá o que for que aconteça na mente, será doravante denominado de
“imagem mental”.
Nas
linhas que seguem, há a finalidade de apresentar a forma como filósofos como
Aristóteles e Hobbes colocaram suas propostas, apresentando as tênues
diferenças. Posteriormente se apresentará a crítica insuficiente de Frege a
esse modelo de significação e uma crítica que está embasada na filosofia de
Ludwig Wittgenstein.
Aristóteles
Para
Aristóteles, a forma como se dá o processo de significação da linguagem é da
seguinte forma: o homem sofre afecções que são simbolizadas por sons, os quais
são simbolizados pela escrita. Isso significa que, ao estar em contato com o
mundo, o homem é afetado por este e esta afecção provoca o surgimento de uma
imagem mental, por assim dizer. Na sequência, o homem pronúncia um som que
designa essa imagem mental. Essa imagem mental, entretanto, não é outra coisa
senão uma imagem de algo que existe no mundo. Poderíamos dizer que é a imagem
de um objeto do mundo. Isso fica bem explícito logo no primeiro livro do seu
texto denominado Da Interpretação
quando Aristóteles afirma que “há os sons pronunciados que são símbolos das
afecções na alma, e as coisas que se escrevem que são símbolos dos sons
pronunciados”.
Algo que é de fundamental
importância, não obstante, para que esse modelo de significação funcione é a
garantia de que todos os homens são afetados da mesma forma. A esse respeito,
Aristóteles afirma ainda em seu primeiro livro de Da Interpretação que a escrita e os sons não são os mesmos para
todos, mas que as afecções são as mesmas, bem como os objetos dos quais as
afecções são imagens. Isso significa que o núcleo do processo de significação
está justamente no conteúdo mental, pois lá é onde ocorre a interação entre o
mundo, o homem e a linguagem.
Hobbes
Mas além de Aristóteles, muitos
outros filósofos tentaram resolver esta problemática. Um deles foi Thomas
Hobbes. Sua proposta para resolver o problema da significação é similar a de
Aristóteles, divergindo apenas em alguns detalhes.
Hobbes defendia no seu Leviatã que “o uso geral da linguagem
consiste em passar nosso discurso mental para um discurso verbal, ou a cadeia
de pensamentos para uma cadeia de palavras” (p. 44), o que pressupõe algo que
exista de forma independente no que aqui se chamará de mundo interior, do qual
as outras pessoas não têm acesso senão o próprio indivíduo. Mas, além deste,
também se nomeará aqui um mundo exterior, do qual as outras pessoas têm acesso,
e não somente o próprio indivíduo. Dir-se-á também que o discurso mental está
para o mundo interior assim como o discurso verbal está para o mundo exterior.
Mas antes de prosseguir é
necessário explicitar que esse discurso mental se origina através das
sensações. Pois Hobbes diz em seu Leviatã
que “não há nenhuma concepção no espírito do homem, que primeiro não tenha sido
originada, total ou parcialmente, nos órgãos dos sentidos” (p. 31). Esse
processo ocorre semelhante a como defendia Aristóteles. Os objetos do mundo
afetam o homem de modo a criar uma imagem mental, que Hobbes preferia chamar de
“ilusão originária”, conforme a citação a seguir: “em todos os casos a sensação
nada mais é do que a ilusão originária, causada [...] pela pressão, isto é,
pelo movimento das coisas exteriores nos nossos olhos, ouvidos e outros órgãos
a isso determinados” (p. 32).
Crítica
Em suma: tanto para Aristóteles
quanto para Hobbes, a imagem mental tem um papel indispensável no processo de
significação, uma vez que age enquanto mediadora entre os objetos do mundo e a
linguagem. Entretanto, em Aristóteles, o que sustenta a afirmação de que as
afecções são todas idênticas em todos os homens não passa de uma ancoragem
metafísica. Mas o problema mesmo é que isso é uma afirmação inverificável. Não
se pode saber se a imagem mental é mesma para todos os homens, assim como não
se pode afirmar que não é a mesma. O enunciado é inverificável, além de não
apresentar critérios de correção. Um aristotélico, entretanto, ainda poderia
alegar que uma prova de que realmente a imagem mental é igual em todos os casos
é que as pessoas conseguem se entender, produzir significado. Mas isso seria
uma petição de princípio, pois se supõe o que se quer provar. Supõe-se que a
imagem mental é a causa da significação porque há a significação e sem a imagem
mental não haveria significação.
Quando se trata de Hobbes, contudo,
o que assegura a compreensão é o que comumente em filosofia da linguagem se
denomina “mentalês”, que nada mais é do que o discurso mental, que existe
independente do discurso verbal e do qual este é apenas mera tradução. O
problema com essa proposta de significação é o mesmo: não há como verificar se
este “mentalês” é o mesmo em todas as pessoas. Trata-se de algo também
inverificável e isso gera problemas quando se trata de filosofia.
Em suma, parece que este modelo de
significação referencialista mentalista é incapaz de satisfazer a admiração que
o homem sente em responder a questão: “como é possível o significado?” Pelo que
até mesmo Frege já apontava em seu artigo intitulado Sobre o Sentido e a Referência (p. 135) que a imagem mental, ou a
idéia, é subjetiva e, por isso, a descartava quando o objetivo era resolver a
presente querela do significado. Frege apostava no que ele mesmo denominou de
“sentido”, o qual era intersubjetivo e tinha condições de apontar para o
objeto, a “referência”. Entretanto, o matemático-lógico ainda continuava
defendo um modelo de linguagem referencialista. Por isso, a crítica a seguir
não será uma crítica fregeana, mas wittgensteiniana. Visto que o maduro
Wittgenstein consegue romper com esse modelo de significação referencialista
completamente, não somente o modelo referencialista mentalista.
Wittgenstein, em sua fase madura, entende que
os critérios para explicar o que é a linguagem e como ela funciona são
públicos. Portanto, não recorre a qualquer espécie de imagem mental para
explicar a produção de significado. Isso não significa, entretanto que
Wittgenstein negasse que tais imagens existissem, mas tão somente afirmava que
não são elas as responsáveis pela significação da linguagem. A linguagem seria
uma habilidade desenvolvida através do treino – que Wittgenstein explica
através do conceito de seguir uma regra
– e que é correspondente a uma multiplicidade de jogos de linguagem inseridos
em contextos culturais, as formas de vida. Nessas condições, conforme anota na
primeira parte das Investigações
Filosóficas, as palavras adquirem significado quando colocadas em uso (I
§43). Isso significa dizer que são as regras gramaticais que fazem com que o discurso
adquira significação. A linguagem funciona como um conjunto de diversos jogos,
onde a habilidade adquirida de jogar em cada um destes jogos é que permite o
uso eficiente da linguagem. Um homem aprende a falar um idioma de forma
semelhante a como aprende a jogar xadrez, por exemplo, aprendendo as regras do
respectivo jogo.
Mas, para que não se diga que
Wittgenstein desconsiderou as imagens mentais, deve-se pensar no seguinte: i) a
imagem mental de Aristóteles é inverificável e defendê-la implica em cair em
petição de princípio, conforme já demonstrado; e ii) se o “mentalês”, discurso
mental, de Hobbes é uma espécie de
linguagem privada e padrão para a linguagem pública, o que é que ele tem
como padrão? Em outras palavras, se a linguagem pública é tradução do
“mentalês”, este também não seria tradução de outro idioma, que por sua vez
seria tradução de outro a assim infinitamente? Em filosofia não se admite um
regresso ao infinito. Então não se trata de simplesmente ignorar a imagem
mental, trata-se de recusá-la argumentativamente.
Outra forma de atacar as sensações
privadas e imagens mentais privadas como condicionantes para o significado pode
ser encontrado também na primeira parte das Investigações
Filosóficas quando Wittgenstein afirma que as palavras que designam
sensações estão ligadas às manifestações naturais ( I, §256), do que segue que
os critérios não são privados. Além disso, tem o famoso exemplo do “besouro”,
que consiste no seguinte: suponha que cada pessoa tivesse uma caixa com algo
dentro e que as outras pessoas não pudessem ver o que tem na caixa das outras;
ainda que essa coisa pudesse estar em constante mudança, isso não iria
interferir no processo de significação se as pessoas tivessem um uso para a
palavra “besouro”, na verdade ainda que não houvesse nada na caixa, haveria
significação; do que se segue que a coisa, o objeto, é irrelevante no processo
de significação (I § 293). O “besouro” seria a imagem mental numa crítica a
Aristóteles e a Hobbes e a caixa seria o aparato mental das pessoas. O objetivo
é mostrar que não importa o que seja a imagem mental, o uso das palavras
seguindo jogos regrados gramaticalmente permite a produção de significado.
Considerações
finais
Conclui-se disso
que o modelo de significação referencialista mentalista, seja o de Aristóteles
ou de Hobbes é insuficiente porque: no primeiro caso, a imagem mental não pode
ser verificada e insistir nisto acarretaria em cair em petição de princípio; e
no segundo caso, porque a defesa do “mentalês” conduz a uma queda ao regresso
ao infinito, além da falta de critérios de correção. Nâo obstante, a crítica de
Frege é insuficiente, pois ele ainda continua refém de um modelo de
significação referencialista, ainda que sem imagens mentais com papéis
indispensáveis. Mas é com Wittgenstein que a querela encontra solução, dando
cabo ao processo de admiração e mostrando a deficiência do modelo de
significação referencialista, além de argumentar com sucesso contra a ideia de
que as imagens mentais são necessárias e indispensáveis no processo de
significação.
Referências
ARISTÓTELES. Da
Interpretação. Tradução de José Veríssimo Teixeira da Mata. São Paulo:
EDITORA UNESP.
FRANÇOIS, S. Wittgenstein. Trad. de José Oscar de
Almeida Marques. São Paulo: Estação Liberdade, 2004. (Figuras do Saber).
FREGE, G. Sobre o Sentido e a Referência. In: Frege, G. (1978). Lógica e Filosofia
da Linguagem. Seleção, introdução, tradução e notas de P. Alcoforado. – 2. Ed.
Amp. E ver. – São Paulo: EDUSP, 2009.
(pp. 129 – 158).
HOBBES, T. Leviatã ou matéria, forma e poder de um
estado eclesiástico e civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria
Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: EDITORA NOVA CULTURAL LTDA, 1999. (Coleção
Pensadores)
MILLER, A. Filosofia da Linguagem. Tradução de Evandro
Luis Gomes, Christian Marcel Amorim
e Perret Gentil Dit Maillard. – 2. ed. – São Paulo: PAULUS, 2010. – (Coleção
Filosofia)
WITTGENSTEIN, L.
Investigações Filosóficas. Tradução
de José Carlos Bruni. São Paulo: EDITORA NOVA CULTURAL LTDA, 1999. (Coleção os
pensadores)